Com 21 anos de atraso, finalmente a Lei 8.080/90 foi regulamentada. Todos nós sabemos que para que uma lei seja cumprida, ela tem que ser perfeita para que possa ter eficácia e por fim ser eficiente.
A referida lei não é assim, e por isso teve que ser regulamentada, contudo, ninguém consegue explicar o porquê de tamanha demora. O desrespeito pela pessoa humana, a violação do princípio da isonomia, a falta de gestão dos hospitais públicos, descaso do Estado em regular o terceiro setor, que se abrilhantam os olhos ao ver tamanha lacuna na legislação e a possibilidade de lucrar com isso, trouxeram consequências enormes durante todos esses anos para a população isso, sem falar na violação de nosso bem maior, o direito a vida.
A Constituição Federal de 88(1), por ser uma Constituição Dirigente, é clara quando dispõe sobre o direito à saúde em seu art. 196 e seguintes, senão vejamos:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art . 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades pr eventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.
(…)
O Decreto 7508/11, teve como principal tarefa esclarecer alguns conceitos e inovar em elementos para tentar corrigir algumas falhas no sistema. E é claro, procurando dar fiel interpretação e sem sair dos limites do que preceitua a Constituição, que é dar maior garantia ao acesso universal e igualitário da população às ações e serviços desempenhados pelo SUS.
Mas vamos direto ao assunto e tentar abord ar os principais pontos trazidos pelo referido Decreto: a) Conceituou, definiu: regionalização, hierarquização, região de saúde, rede interfederativa, protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, contratos entre os entes públicos, comissões intergestores; b) oficializou a Atenção Primária como porta de entrada e ordenadora do acesso ao SUS; c) como novidade os Contratos Organizativos da Ação Pública ponto fulcral do Decreto e que sacramentará a relação entre as esferas de governo; d) as Comissões Intergestores tiveram uma maior legitimação agora em decreto o que apenas estava formalizado em portarias; e) mapa de Saúde é uma nomenclatura nova da descrição de todas as ações e serviços de saúde e das necessidades de saúde de cada local; f) a centralidade da REGIÃO DE SAÚDE que inclusive será a base de alocação de recursos; g) criada a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde – RENASES, com todas as ações e serviços de responsabilidade do SUS; h) a RENAME, já existen te há vários anos está sendo aperfeiçoada com reforço sobre os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.
A regulamentação esclarece também sobre as responsabilidades dos entes federativos nas redes de atenção à saúde, o que contribuirá muito para melhor interpretação e aplicação pelo Poder Judiciário e atuação do Ministério Público nas questões relativas à competência governamental. É cediço que por ser um sistema único e interfederativo, é preciso ter clareza dos papéis dos entes federativos nas regiões onde o direito à saúde se efetiva.
A definição das portas de entrada é muito interessante. Porque não podemos tratar o SUS como um sistema desorganizado, sendo o sistema hierarquizado po r níveis de complexidade dos serviços de saúde, conforme determina a Constituição, importante impor ao acesso aos serviços o mesmo sentido de ordem.
Destarte, o sistema avança na sua organização impondo o acesso igualitário, cuidando para que não seja violado o principio da isonomia. Daí a regulamentação ter definido que o acesso ordenado deve ainda considerar a gravidade do risco do paciente e a ordem cronológica de sua chegada ao serviço, um exemplo é a lista de transplantes.
Com esse Decreto ficará mais claro para a população e para os envolvidos no sistema, quais ações e serviços o Poder Público irá garantir ao cidadão no âmbito do seu direito à saúde.
Esclarece ainda, ao definir a assistência farmacêutica que o mesmo não pode ser nem um sistema complementar dos planos privados de saúde nem uma farmácia aberta, ao contrário, deve ser uma complementação da assistência terapêutica. Entretanto, o diagnóstico só poderá ser feito no SUS e pelos seus profissionais e não pelos profissionais do setor privado de saúde.
Em suma, o Decreto 7508/11, tem por finalidade estruturar melhor o SUS, e aperfeiçoar a administração e organização do sistema, para um atendimento digno à sociedade de forma universal e igualitária, contudo, a realidade é outra, talvez o que esteja faltando é uma atuação maior do Poder Público na regulação, controle e fiscalização das ações e serviços de saúde destinad os à população. Não esperamos desse Decreto uma salvação, mas sim um instrumento para alcançar o fim almejado pela Constituição.
(1) BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
* Paulo Ricardo R. Miranda – Advogado, Pós-graduado em Direito Público e Membro da Comissão de Direito Sanitário e Defesa do Direito da OAB/MT