Imagine que você está dentro de um avião em meio a uma área de turbulência e forte tempestade. Tudo o que se precisa e deseja é uma tripulação experiente que conduza as manobras com segurança e transmita tranquilidade aos passageiros. Suponha agora que o comandante do voo se expresse com mensagens desconexas; que tenha uma relação de desconfiança com o copiloto; que os comissários de bordo disputem espaços a cotoveladas e tenham orientações divergentes. Num momento anuncia-se um pouso de emergência, em outro o pouso é adiado; a seguir, informa-se um desvio de rota, mas a aeronave perde altitude e é obrigada a arremeter. A turbulência aumenta e a melhor ideia que acode à tripulação é informar aos distintos passageiros que o valor das passagens aéreas será aumentado.
O que pode parecer uma exagerada ficção aeronáutica é uma metáfora infelizmente realista da condução da economia brasileira. Nas últimas semanas os cidadãos têm sido bombardeados de forma atabalhoada com declarações contraditórias e/ou confusas, reveladoras da desorientação quanto a uma estratégia de enfrentamento da crise econômica. Como um boxeador atingido que, após a queda e tentando evitar o nocaute definitivo, se levanta ainda grogue disparando socos em todas as direções, os responsáveis pela política econômica não são convincentes em suas propostas.
Primeiro, o projeto de lei orçamentária para 2016 é enviado ao Congresso pelo Poder Executivo com previsão de deficit no resultado nominal. Uma rápida leitura indicou que o deficit real é bem maior, pois houve inclusão de receitas que ainda não contam com previsão legal e subestimação de riscos fiscais. Nos dias seguintes, anuncia-se que o governo emendará o seu próprio projeto para atingir um equilíbrio ou até superávit. Os porta-vozes se autoelogiam dizendo que está havendo 'transparência', quando houve apenas uma confissão tardia, incompleta e insuficiente da desorganização das contas públicas, resultante, entre outras, do abuso das 'pedaladas fiscais' em 2014 e de irregularidades na execução orçamentária, conforme apontado pelo Tribunal de Contas da União.
Desperdiça-se a oportunidade de promover uma reforma tributária séria, para discutir, como medida de salvação nacional, a exumação da CPMF, anunciada, desmentida e depois novamente confirmada. A 'nova' CPMF sequer cobrirá o deficit financeiro da previdência, que será crescente em virtude das mutações demográficas, caso não haja também uma reforma previdenciária séria, que não pode se limitar ao casuísmo da 'PEC da bengala' aprovada para os ministros de Tribunais superiores. Até a legalização de cassinos surge como remédio para a overdose de trapalhadas na gestão macroeconômica.
A carga tributária do país não é alta considerando-se a de outras nações, mas é elevadíssima se considerada a qualidade da contrapartida em serviços públicos, além de ser desigual e injusta, centralizando receitas na União, privilegiando impostos indiretos e taxando os rendimentos do trabalho em percentuais bem superiores aos dos rendimentos do capital. A reforma tributária necessária e urgente deve se pautar no federalismo, na simplicidade, na equidade e na progressividade. De igual modo, na previdência deve ser elevada a idade mínima para aposentadoria, que deve ser igual para homens e mulheres, a exemplo da Polônia, Grécia e Portugal.
Há alternativas para melhoria imediata da receita pública, inclusive com a redução de benefícios fiscais indevidos ou injustificados, como os concedidos ao Cirque du Soleil e Rock in Rio ou a embarcações e aeronaves. Só na União a renúncia fiscal é prevista em R$ 284 bilhões em 2015. Há também muito desperdício a ser cortado numa estrutura ministerial balofa e inoperante. É, sobretudo, indispensável uma visão estratégica do futuro.
Na década de 1980 fez muito sucesso nos cinemas a comédia 'Apertem os cintos, o piloto sumiu'. Em 2015 o piloto não sumiu, o enredo não é engraçado e a inflação, o desemprego e a crise estão apertando os cintos dos brasileiros.
Luiz Henrique Lima – auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT – Graduado em Ciências Econômicas, Especialização em Finanças Corporativas, Mestrado e Doutorado em Planejamento Ambiental, Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia.