Lendo as notícias do dia, soube que o reitor da UNEMAT viajaria para Cuba com sua esposa, que é também sua assessora. Segundo a notícia, iriam participar das festividades do 35º aniversário de la Institucionalización de los Estúdios Superiores, na Província de Pinar del Rio. O jornalista, autor da matéria, em tom severo, critica tal procedimento do Reitor num momento de crise institucional da Universidade. Eu, no entanto, quero fazer aqui o contrário e rogo para que tenha bom proveito a viagem, não apenas pelas belezas naturais que oferece a ilha do Caribe, mas, principalmente, para que as conquistas de nossos hermanos cubanos, especialmente no âmbito da educação, possam servir de inspiração ao reitor da UNEMAT, na busca de soluções viáveis para nossa universidade estadual.
Cuba se estende por uma área com pouco mais de 110 Km2, menos da metade do tamanho do Estado de São Paulo, e tem uma população de cerca de 11 milhões de habitantes. Seu Produto Interno Bruto per capita é de U$ 3.500, aproximadamente. Ocupa a 120ª posição no ranking mundial. Trata-se de uma economia muito modesta, se comparada ao Brasil, que tem um PIB per capita de U$8.300, para uma população de cerca de 170 milhões de habitantes.
É um país pobre que vive a contradição do socialismo real, isolado por embargos impostos pelos Estados Unidos e que foram intensificados nos anos 90. A situação econômica de Cuba se agravou significativamente após a queda da União Soviética no final dos anos 80, de onde provinham importantes relações comerciais, com entradas de dólares para o reforço de sua economia.
A despeito da situação econômica desfavorável e do regime político fechado, o que não permite a livre expressão, Cuba é um exemplo de que escolhas políticas podem mudar o destino de uma nação. Em 1959, ano em que a Revolução triunfou, havia mais de um milhão de analfabetos para uma população de pouco mais de 6 milhões. Hoje Cuba apresenta indicadores educacionais invejáveis: apenas 0,2 % da população é analfabeta, contra mais de 11% do Brasil; cerca de 85% dos cubanos que terminam os estudos médios ingressam em cursos superiores ou escolas técnicas equivalentes. O ensino em todos os níveis é público, gratuito e de qualidade, e a universidade tem um papel fundamental no desenvolvimento social, econômico e cultural do país. Enquanto a América Latina gasta cerca de U$ 73 por habitante com educação, Cuba investe aproximadamente U$ 137. Os resultados das escolhas são evidentes nos indicadores sociais: o sistema de ensino cubano é referência internacional. Em estudo realizado pela UNESCO (1999) sobre o desempenho comparado de alunos de 14 países (dentre eles o Brasil), estudantes cubanos obtiveram as mais altas médias, colocando aquele país em disparado e isolado primeiro lugar no desempenho escolar do ensino fundamental. Também no nível superior é reconhecida a qualidade dos cursos cubanos, especialmente na área de medicina, que é sabidamente, um dos cursos mais exigentes em investimentos. Estes cursos recebem anualmente milhares de estudantes estrangeiros vindos de diversas partes do mundo. Parcos recursos por lá não impedem a boa qualidade da educação, da universidade, da pesquisa, da tecnologia. Talvez eles tenham muito a nos ensinar sobre prioridades. Neste caso, certamente, o reitor da UNEMAT deverá aproveitar.
Os avanços sociais cubanos, no entanto, não se limitam ao campo educacional. Embora pobre, Cuba apresenta um IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, dos maiores do mundo – 0,826, considerado alto; enquanto no Brasil o IDH está em torno de 0,792, considerado médio e bem abaixo do desempenho cubano. O IDH mede as condições de vida das pessoas e inclui a longevidade (indicadores de saúde), educação e padrão de vida (indicadores de renda)
Duas coisas podem ser depreendidas do exemplo da pequena ilha: 1. Não é necessário deixar o bolo crescer para dividir, ou seja, a distribuição de renda e crescimento econômico não são variáveis dependentes; 2. A educação com qualidade é investimento de valor estratégico, especialmente quando outros recursos são ainda mais escassos; 3. Políticas de educação dependem fortemente dos compromissos que a sociedade e, especialmente, suas lideranças assumem verdadeiramente, transformando discursos, ideologias em estratégias reais; 4. o ensino superior não se dissocia dos outros níveis de educação, nem de uma estratégia mais global de desenvolvimento social. Mas, para valer a pena estas lições, é preciso saber aonde se quer chegar.
Portanto, tratando-se de um país com tantos elementos para uma reflexão sobre nossa própria realidade, visitar Cuba num momento de crise como este em que a UNEMAT vive, pode ser interessante, pode oportunizar a ampliação da visão sobre nós mesmos. Talvez o reitor encontre entusiasmo criador para arregimentar forças e organizar nossa instituição de ensino superior, aprender como se prioriza a boa gestão no campo da pesquisa, do ensino e, quem sabe, até mesmo aprender o papel da universidade na construção do conhecimento, da sociabilidade humana e, finalmente, na construção de novos padrões civilizacionais.
Há coisas, no entanto, que talvez Cuba não possa nos ensinar, por exemplo: como conquistar tal desenvolvimento num ambiente democrático, transparente, respeitando as diferenças e fazendo delas o motor da construção social e institucional. Um difícil aprendizado ainda por se fazer entre nosotros.
E, enquanto o reitor busca inspiração em terras tão distantes, nós aqui ardemos em angustia por soluções. A Comissão Interinstitucional que tem se reunido na Secretaria de Ciência e Tecnologia com o objetivo de discutir e buscar as pistas de soluções para os problemas unematianos, tem se esforçado para compreender a realidade e a profundidade da crise da universidade estadual. No entanto, a pouca transparência com se tem tratado as contas públicas na UNEMAT, tem dificultado sobremaneira os trabalhos.
Há quem tema os trabalhos de tal comissão porque reúne representação direta do governo a “bisbilhotar” questões internas da instituição: “Abrir as contas da UNEMAT pode ser perigoso,” têm dito alguns. Mas, o que pode ser mais perigoso para uma instituição pública de ensino superior que a ausência de transparência? O que pode ser mais perigoso para uma universidade que a sucumbência de seus mecanismos democráticos de gestão? O que pode ser mais perigoso para uma instituição de produção de conhecimento que a precarização aviltante das condições de trabalho, de ensino, de pesquisa? O que pode ser mais perigoso que a sorrateira e silenciosa perda de autonomia da universidade nestes últimos anos?
Talvez temam o perigo de uma intervenção do governo na UNEMAT. Sem discutir outros temores que possam se esconder neste, acredito que até possa ser esse o desejo de alguns. Mas, não creio que o governo pagaria o ônus de uma intervenção numa universidade com sindicato e movimento estudantil mobilizados, mais de uma centena de municípios envolvidos e um milhão de problemas a serem resolvidos: desde problemas de gestão interna a financiamento público por parte do Estado. Seria assumir um desgaste político monumental. É pouco provável que, no cálculo político, ainda mais com eleições municipais no próximo ano, esta seja uma escolha viável por parte dos ocupantes do governo atual. Minha aposta é que, independentemente dos rumos que tomarem tal comissão, em relação à reivindicação de abertura das contas da UNEMAT, a saída para a construção da Universidade Estadual será fruto do esforço da própria comunidade acadêmica. Este é um ônus que dificilmente alguém aceitará assumir por nós. Por isso, saio em defesa da inspiração do reitor, sabendo quão importante é o papel da liderança institucional na condução da política interna e externa da universidade. Aguardemos, sem cessar a luta que, o retorno do reitor das plagas cubanas traga boas novas, quem sabe um projeto para a Universidade do Estado de Mato Grosso?! Este seria um bom resultado da viagem, mas, que tenha como princípio a Democracia, a participação, tantas vezes abandonada nas práticas institucionais da UNEMAT.
Edna Luzia de Almeida Sampaio é professora da UNEMAT/Cáceres