Parafraseando grandes e expoentes linguistas como Pêcheux e Focault, língua é poder, já que a sociedade, ao dominar sua língua, manifesta poderio sobre outros povos e sobre seus pares.
“[…]para o advogado, é praticamente indissociável seu labor da língua, através da prática da linguagem. […]”Assim como o estetoscópio está para os médicos, a linha para a artesã, o veículo para os motoristas, a imagem para o radiologista, o computador para os analistas de sistemas…assim também está a língua (escrita ou falada) para o advogado. Meu caminhar acadêmico tem me feito refletir que a língua é, para o advogado, sua principal ferramenta de trabalho, já que todo seu conhecimento, seus argumentos e o direito, como um todo, são exteriorizados através da língua, em audiências/diligências e peças processais. Pode-se constatar que, para algumas profissões, a língua, não necessariamente, é a forma principal da exteriorização do trabalho, mas, para o advogado, é praticamente indissociável seu labor da língua, através da prática da linguagem. Isto porque, de nada adianta saber o Direito, compreender o caso do cliente, estudar para inquirir as testemunhas em audiência, se o advogado não souber “expressar”, por meio das palavras escritas ou oralizadas, o que pretende, já que a linguagem jurídica é expressa, em sua maioria, através da língua escrita ou falada.
Os textos jurídicos, como um todo, não servem só para informar ou noticiar um fato a ser tutelado pelo Direito, mas também para persuadir, convencer e argumentar, já que se prestam ao livre convencimento do magistrado. Além disso, o próprio Direito se expressa pelas leis, por meio da língua escrita.
Quando se trata da língua escrita, tem-se especial atenção ao uso da norma padrão e da norma culta no ambiente jurídico, dada a sua formalidade, sendo impossível esquecer do uso da vírgula, um simples sinal de pontuação, que pode mudar todo o contexto! Não são raros os momentos em que frases como “Esse, juiz, é o corrupto!” aparecem em nosso cenário. Não obstante, é comum depararmos com a escrita: “Esse juiz é o corrupto.”, quando, na verdade, almejava-se falar como na primeira assertiva. Ainda a exemplo, imaginemos um caso em que um cliente está esperando uma resposta de seu advogado(a) e receba a seguinte mensagem: “Vamos perder, nada foi resolvido.”; quando, na verdade, deveria receber isto: “Vamos perder nada, foi resolvido!”. Não bastassem esses exemplos, a vírgula ainda é capaz de absolver ou condenar: “Não tenha clemência!”, ou então, “Não, tenha clemência!”.
Sendo, então, o uso adequado da língua tão importante para o ramo jurídico, por que não se estuda com mais ênfase, tanto na academia, como fora dela, a Língua Portuguesa, suas normas e sentidos? Ou, acaso se entende que os estudos primários, estruturais e gramaticais do ensino fundamental e médio são suficientes para compreensão e uso correto da língua em âmbito profissional ? Certamente não. O fato é: dependemos da língua para a atividade profissional diária e nem sempre a compreendemos em sua amplitude e funcionamento.
Não estou afirmando que se deva deixar de ler as Leis e passar a estudar a língua e suas teorias (o que seria salutar para toda e qualquer pessoa que se comunique através da língua). Trata-se, apenas, de uma reflexão ou análise pessoal, de uma advogada, feita a partir de muitas horas de estudo, debruçada sobre o estudo da Linguística e suas diversas ramificações (Gramática, Semântica, Sociolinguística, Pragmática, Análise de Discurso, entre outras).
Compreender a língua é, com toda certeza, um divisor de águas a qualquer falante. Entender seu funcionamento, normas e os efeitos de sentidos entre as partes envolvidas, revela o poder no uso adequado das palavras selecionadas no dia a dia profissional, fazendo-a cumprir a finalidade proposta e a compreensão correta do interlocutor a quem é dirigida.
Fica aqui, pois, meu convite à toda a sociedade; em especial, aos meus pares, colegas advogados, para que nos debrucemos sobre o estudo da Língua Portuguesa e suas normas – nossa principal ferramenta/meio de trabalho, aprimorando nossas manifestações, sejam elas escritas ou oralizadas, para que produzamos a interpretação a que foram destinados e alcancemos, assim, a visada justiça.