Guimarães Rosa, lidando com as letras de "Grande Sertão: Veredas", não deixou por menos: "… a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente…"
Vamos, de carona, nessas pegadas: inflação é coisa que a gente não deve tolerar de ter, porque, tão logo ela se instala, passa a governar a gente, os nossos passos, o nosso bolso e o nosso estado de espírito…"
Incursiono por esse tema para dar voz e espaço ao que tenho lido e pesquisado. É uma síntese de pensadores, cujo diagnóstico merece a atenção de todos nós. Estudar e aprender, uma fórmula das exigências dos nossos tempos. Eu diria: um esforço suplementar a que cada um de nós deveria submeter-se.
Obstinação e persistência de um estado de espírito, por que não dizer?
Vamos a ele.
A sua desvalia exige cuidados especiais. Não é demais dizer que inflação se combate com política monetária adequada (juros, controle do meio circulante e ajustes no crédito); com política fiscal compatível; com câmbio calibrado.
À medida que esses dispositivos são acionados com determinação e clareza, criam-se as condições para aliviar o câmbio, deixando-o sob as rédeas da livre flutuação, e os juros tem o seu papel de vilão amortecido, com possibilidade de ser inquilino nos condomínios da civilização, desalojando a sua influência sobre o preço do câmbio. E este passa a ser governado pelos fluxos cambiais (balança comercial e de serviços, remessa de lucros, empréstimos e amortizações, turismo, remessa de divisas de residentes e não residentes, etc.). E diante de fluxos pendulares acentuados, o mercado se encarrega de fazer a sua parte conduzindo-o ao ponto de equilíbrio. Isso supõe juízo na política fiscal, entre eles a redução da carga tributária, superávits fiscais, de acordo com as exigências da redução da dívida, salários na bitola da produtividade, reformas na Previdência Social. Enfim a macroeconomia no lugar.
Seria "Sonho de Numa Noite de Verão"1?
Poderiam dizer: remédio amargo. Mais amargo, porém, são as perversidades da inflação, que destrói o poder de compra do trabalhador assalariado, acentuando a desigualdade social. E quanto mais demoramos no enfrentamento, maiores os seus efeitos corrosivos e deletérios.
Na verdade, o câmbio valorizado não pode ser utilizado como único instrumento de combate à inflação, porque, sendo assim, as indústrias pagam essa conta isoladamente, e a desindustrialização é o resultado alcançado por esses horizontes. Não é sem razão que elas patinam, patinam, e não saem do lugar. O câmbio as faz perder fatia significativa do mercado interno, e as exportações de manufaturados não acontecem. E tanto num como noutro polo, os preços relativos entre produtos produzidos no País e no exterior passam pela balança cambial. Ou viramos esse jogo, ou seremos apenas um País produtor de commodities e prestador de serviços (estes últimos em nível interno apenas)…
Urge que o governo atue de modo consistente nas áreas fiscal, tributária e administrativa, como parte do ajuste macroeconômico. Especialmente, no fronte tributário, levando em consideração alguns fundamentos basilares, de modo a promover o desmonte gradativo dos excessos, com a organização de uma agenda para ser discutida com o Poder Legislativo, que inclua a redução dos impostos em cascata e regressivos e a desoneração dos investimentos e dos produtos exportados.
Reformular e reordenar os rumos é exigência da realidade! A menos que reeditemos as façanhas de Dom Quixote, agora no campo da Economia, patrocinando enredos cujo final encontrará sérias dificuldades para conduzir os trabalhadores a um destacado lugar no paraíso. Mas, certamente, redobrará a diligência de Sancho Pança…
Márcio Florestan é promotor de Justiça em Alto Araguaia