No Brasil, principalmente as camadas mais pobres enfrentam uma série de problemas que vêm se perpetuando ao longo dos tempos. Entra Governo, sai Governo e os referidos problemas continuam a angustiar o povo, apesar de que nossos governantes, principalmente nas épocas eleitorais prometem o mundo e o fundo, como se costuma dizer e em seus discursos desenham um país e uma sociedade fictícios, verdadeiras maravilhas.
Passadas as eleições o povo acorda novamente de seu sono letárgico e continua enfrentando o seu calvário. É o banditismo que continua ceifando vidas inocentes, é a questão habitacional que só surge no noticiário quando dos desastres naturais que aumentam o sofrimento de milhões de famílias, é a falta de saneamento que contribui para a perpetuação da baixa qualidade de vida, a educação de baixa qualidade e que rouba as esperanças de crianças e adolescentes, é a saúde que continua no mesmo caos impondo mais sofrimento a quem dela precisa.
Todas essas e outras questões foram objeto das preocupações de nossos constituintes que em 1988 outorgaram ao povo brasileiro a chamada Constituição cidadã, onde estão inscritos e, supostamente, garantidos os direitos fundamentais do povo brasileiro.
Apesar de tudo isto, para nossos governantes o que consta das Constituições Federal, estaduais, leis orgânicas municipais e toda uma parafernália chamada “ordenamento jurídico” que caracteriza o Brasil como um “Estado democrático de direito” acaba sendo mera letra morta ante a realidade que o povo vive. A questão da saúde, por exemplo, é bem detalhada tanto na Constituição quanto nas demais leis como a que criou o SUS e outras mais. Através desses dispositivos legais constata-se, por exemplo, que, de acordo com a Constituição Federal estão estabelecidos os pilares deste importante setor da vida nacional.
Vejamos o que estabelece a Constituição Federal: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”.
A saúde enfrenta diversos problemas tais como: a questão do financiamento ou fontes de recursos, a questão da gestão pública e privada; a questão dos recursos humanos; a questão da falta de investimento na rede física, acarretando deficiência de leitos em geral e leitos especializados em particular, precariedade do sistema de saúde no interior dos estados obrigando pacientes a procurarem as capitais e cidades pólos para conseguirem atendimentos mais complexos e em alguns casos até mesmo serviços rotineiros ausentes em pequenas e medias cidades.
A questão dos recursos financeiros é bem emblemática neste sentido. O Brasil que integra o G-20 é o país que menos investe em saúde proporcionalmente ao seu PIB (décima economia mundial) apenas 3,2% enquanto Bolívia, Argentina, Uruguai, Venezuela, Colômbia, África do Sul e outros países em desenvolvimento investem entre 5% e 5,5% dos respectivos PIB, sem falar nos Estados Unidos e Cuba com 6,25%; Japão, Austrália, Inglaterra, Portugal, Canadá, França, Alemanha que investem 8,1% em relação ao PIB.
Ainda neste particular, nos países desenvolvidos e outros que estão no mesmo patamar do Brasil 70% dos gastos e investimentos em saúde são cobertos com recursos públicos, dos respectivos orçamentos e em nosso país apenas 41,6% dos recursos da saúde têm origem nos diversos níveis de governo; 57,4% são custeados pelas famílias através de planos e seguros de saúde e 1,0% por entidades filantrópicas.
Analisando a evolução da carga tributária brasileira e os orçamentos nas três esferas de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) percebe-se que nos últimos dez anos ocorreu um aumento muito grande. Todavia, a fatia do orçamento da união que cabe a saúde, por exemplo, é mínima quando comparada com os gastos do governo federal com juros, encargos e amortização da dívida pública.
Nos últimos cinco anos, entre 2006 e 2010, o total dos gastos cobertos através do orçamento da união foi de RS$ 6,2 trilhões de reais, os gatos/investimentos em saúde no mesmo período foram de RS$237,3 bilhões de reais, ou seja, 3,8% do total e com saneamento RS$6,0 bilhões ou 0,1%. Já os gastos com juros, encargos e amortização da dívida pública foram de RS$2,9 trilhões de reais, o equivalente a 46,6% dos gastos orçamentários da União. Isto demonstra que a saúde não é e nem será uma prioridade do governo federal, pelo menos até que as promessas e belos discursos tenham respaldo na elaboração e na execução orçamentária.
Enquanto isto, as pessoas continuam morrendo nas filas dos hospitais, pronto-socorros, clínicas e postos de saúde ou aguardando meses ou anos por atendimento para doenças que não esperam pela burocracia e liminares da justiça. Este é o drama constante dessas pessoas na luta para continuarem vivas. Esta é apenas uma parte da tragédia que se abate sobre o povo brasileiro.
JUACY DA SILVA, professor universitário titular e aposentado UFMT, Ex-Secretario de Planejamento e Diretor do IDPU de Cuiaba, Ex-Ouvidor Geral/Ombudsman Prefeitura de Cuiaba, mestre em sociologia,