Esta semana tive a oportunidade de presenciar a posse da nova diretoria da Associação Mato-grossense de Municípios. O evento, bastante prestigiado, trouxe à baila algumas reflexões.
Vivemos no Brasil uma federação absolutamente distorcida, resultando num organismo monstruoso e disfuncional. O pensamento originário dos constituintes de 1988 era correto: estabelecer uma verdadeira federação, na qual estados e municípios tivessem ampla autonomia política e financeira para administrar as políticas públicas no âmbito de seus territórios, reservando-se à União o exercício das competências necessariamente uniformes no país, como a defesa nacional, a política monetária, a diplomacia etc. Municípios e estados mais fortes aproximariam o povo do centro de decisões relevantes para o seu dia-a-dia, fortalecendo a democracia. Num país de dimensões continentais, com grande diversidade geográfica, econômica e cultural entre as regiões, esse parecia o modelo mais sensato.
Tudo, porém, foi sendo sorrateiramente desvirtuado a golpes de emendas constitucionais, pacotes econômicos e medidas provisórias. Regredimos à tradição imperial, em que o Executivo federal centraliza a receita de uma carga tributária em constante expansão e concentra poder decisório sobre a definição das políticas públicas mais tipicamente locais.
Os prefeitos, autoridades eleitas cuja função executiva é mais próxima do cotidiano das pessoas, viram sua autonomia reduzir-se a frangalhos. Sua receita é cada vez mais dependente das transferências da União. Por sua vez, as transferências constitucionais e legais, cujo repasse é compulsório em data certa, perderam relevância diante das chamadas transferências voluntárias. Essas, formalizadas mediante convênios e previstas nas leis orçamentárias, também deveriam ser de execução obrigatória, mas, na prática, somente são efetivadas em valores e datas incertos, ao sabor do mau humor de Brasília. Pior: como são denominadas 'voluntárias', o governo federal só celebra os convênios quando os municípios aceitam passivamente todas as condições por ele estabelecidas. Ou seja: para conseguir recursos no Ministério dos Esportes ou da Pesca, o prefeito tem que se submeter ao limitado cardápio de opções que o governo central oferece, independentemente de sua realidade/necessidade específica. E, ainda assim, não há garantia alguma de que os recursos virão no prazo previsto, pois estão sujeitos a todos os contingenciamentos unilateralmente fixados pela União. Assim, são comuns as romarias de prefeitos pelos gabinetes de Brasília, implorando para que sejam cumpridos os compromissos formalmente assumidos pelas autoridades federais.
Um dos efeitos de tal fenômeno é o inchaço de uma burocracia distante da realidade das gentes, traduzida num ministério obeso, com cerca de quarenta integrantes, sem nenhum paralelo nas democracias ocidentais ou orientais.
Outro aspecto é a soberba com que são editadas normas legais de abrangência nacional, aplicáveis a todos os municípios brasileiros indistintamente. Assim, por exemplo, de cidades com menos de 10 mil habitantes, como é o caso de metade dos municípios mato-grossenses, são exigidos os mesmos procedimentos licitatórios que são cobrados de capitais com muitos milhões de habitantes. O mesmo se aplica a normas de transporte escolar, assistência social, gestão ambiental, trânsito e até à remuneração mínima de agentes comunitários de saúde que deve ser igual em Niterói, Pelotas e Santa Cruz do Xingu. Não se consideram as enormes diferenças que separam as realidades do universo de municípios brasileiros.
Assim, percebi no olhar de muitos prefeitos a angústia de quem vivencia e compartilha as carências de suas comunidades, é depositário de suas esperanças, mas não dispõe de meios suficientes e adequados para concretizá-las. Mas vi também que estão mobilizados e dispostos a lutar pelo resgate do municipalismo democrático.
Luiz Henrique Lima – auditor substituto de conselheiro do TCE-MT – graduado em Ciências Econômicas, Especialização em Finanças Corporativas, Mestrado e Doutorado em Planejamento Ambiental, Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia.