“Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro. Sabendo que não vou ver o homem que quero ser” (Thiago Mello). O ser humano sempre morre antes de ter nascido completamente, deveras.
Contam que Michel Foucault, em passagem pelo Brasil, em Belo Horizonte, foi questionado sobre quem era. Interrogaram-no: “Qual é a sua qualificação para falar? Qual é a sua especialidade? Em que lugar o senhor se encontra?”. Dizem que Foucault ficou estupefato com as indagações. A resposta do professor, da cátedra História dos Sistemas do Pensamento, no célebre Collège de France, para a plateia de Belo Horizonte foi: “Quem sou eu? Um leitor”. No seu livro Arqueologia do Saber, respondeu com mais força e densidade.
Foucault era um leitor!! Um leitor vivo, desperto, acordado. Quintana lembra que os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo. Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas. Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições, dizia o “Poeta das CoisasSimples”.
E hoje, com Facebook, WhatsApp, Instagram, Twitter – lugares que sequer existem,onde todos falam, ninguém escuta e todos têm razão – nós, em regra, os leitores dorminhocos ousemidespertos, não só mais lemos dormindo ou sonolentos, agora falamos também, ou melhor reproduzimos, ou como dizem, compartilhamos dados e informação (quase nada de conhecimento, ideias e sabedoria).
A massa de informação – não há só abundância, há excesso – não encontra em nós o adequado nível cultural para decifrarmos, decodificarmos, organizarmos o que nos chega: os signos, os códigos, os enigmas, os símbolos, os sonhos. Etimologicamente, a palavra “cultura” (culturae, em latim) originou-se a partir de outro termo, colere, que indica o ato de “cultivar”. Só quem conhece o “cio da terra” sabe o tempo necessário para “colhermos”.
Ora, se nós não sabemos nos dar, ter com as “informações”, tudo se confunde e nós estamos num lugar de desorientação e desespero. Aí não conseguimos mais compreender, ou ao menos entender, que “nem toda reza é santa, nem todo escuro é breu, nem toda beleza encanta, nem tudo que tenho é meu.”
O que se sente, dia a dia, com mais força aqui, menos ali, “em qualquer dos mundos em que o mundo se divide”, é a grande parte das pessoas desorientadas e adaptadas; transfiguradas em espectadores, dirigidas pelo poder dos mitos e ilusões. Pessoas tragicamente diminuídas, temendo a convivência, convictas, imersas em dados e informações “monoculares” – sempre são, é do conceito. Informações, notícias e dados que vêm dos seus WhatsApp, o novo Oráculo de Delfos.
Fujamos desta “vertigem” e “desorientação” que nos divide. Encurta-nos, subtrai-nos, vai nos extinguindo aos poucos.
Aumentemos a cabeça – o coração – como queria o jagunço Riobaldo: “todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente — o que produz os ventos.”
Emanuel Filartiga é promotor de Justiça em Mato Grosso