E de repente todo mundo está hipnotizado com a história da perda de mandato por infidelidade partidária. A mídia também, repassando a notícia sem questionar. E presidentes de câmaras, idem. O de Guarapuava, no Paraná, usou o assunto para seus quinze minutos de fama. Fez jus ao nome da cidade, que signifca cavalo árdego, espantadiço e pouco resistente. Cavalo árdego é cavalo muito esperto, fogoso, irritável, irascível.
Eu mesmo só me dei conta do assunto nesta terça-feira, quando li a íntegra do voto do ilustre ministro Asfor Rocha, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como muitos, também embarquei no noticiário, sem questionar. Engoli até a matéria da criteriosa (?) Veja. E fiquei assombrado, espantado, pasmado! Mais ainda quando reli a minha monografia de conclusão do curso de Direito, cujo tema é Fidelidade Partidária. Nesse trabalho, apontei claramente: a troca de partido não acarreta a perda de mandato!
Está tudo na Constituição, que quase ninguém lê. Ou, se lê, pouco entende ou “entende” do jeito que melhor lhe convém. Parece que foi o caso do ilustre ministro Cesar Asfor Rocha. Com seu notório saber jurídico, listou vários artigos e princípios constitucionais, e forçou a barra com dois artigos do Código Eleitoral. Mas não se lembrou de dois artigos e um inciso da Carta Maior, que matam a charada. Há outros para reforçar a tese.
A Constituição de 1969 previa a perda do mandato por infidelidade partidária até que a emenda 25/85 revogou tal disposição. A de 1988 não prevê a perda do mandato por infidelidade partidária. O Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, já julgou dois casos a respeito, em 1989 e em 2004. O primeiro foi o de um suplente de vereador, que manteve a vaga mesmo tendo mudado de partido. No segundo, o ministro relator, o mato-grossense Gilmar Mendes, citou o caso anterior e confirmou que a infidelidade partidária não leva à perda do mandato por falta de previsão normativa na Constituição.
A propósito: como ficam os fiéis eleitos num partido que troca de nome, como os eleitos no PL, Prona e PFL? Só para lembrar: muitos dos fiéis eleitos no MDB e na Arena ficaram no PMDB e no PDS, depois da extinção do bipartidarismo (1966-1978). Mas vários infiéis fundaram outros partidos, entre os quais o PFL. Com os mandatos intactos. E o presidente da República na época era um general, não um operário. O infiel José Sarney (ex-UDN e ex-Arena) ganhou a Presidência da República ao bandear-se, de um dia para o outro, do PDS para o PFL. Infiéis do PMDB fundaram o PSDB em 25 de junho de 1988. Com mandatos intactos. Recentemente, “fiéis” do PFL fundaram o DEM. E não perderam seus mandatos.
O STF é composto por onze ministros. Três deles completam o quadro de sete ministros do TSE. Infiel à Constituição que jurou cumprir e respeitar, o ilustre ministro Francisco Cesar Asfor Rocha é o corregedor do TSE e veio do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas balança, admitindo a mudança “quando a migração decorrer da alteração do ideário partidário ou for fruto de uma perseguição odiosa, como destacado pelo eminente Ministro Cezar Peluso”. Um alívio para quem trocou de partido. Mas atenção: o ministro Celso de Mello também foi infiel à Constituição, no caso de 1989, quando foi voto vencido… Minha monografia talvez não volte para a estante tão cedo.
Leonildo Severo da Silva é advogado em Sinop. [email protected]