O ano era 1984. A Praça Cívica de Goiânia (GO) estava lotada. Milhares de pessoas com camisetas “Eu quero votar pra presidente” se espremiam à espera do grande comício das “Diretas Já” na cidade. Atrás do palco, um sonhador dava entrevista e esperava a hora de iniciar mais um ato em defesa dos ideais democráticos. Era Dante de Oliveira, aos 32 anos. Magro, óculos enormes, aros grossos, cabelos longos, discurso afiado e, sobretudo, muita simpatia.
Foi assim que conheci Dante. Jamais poderia imaginar que aquela não seria a primeira e nem a última vez que nossos caminhos de alguma forma se cruzariam. Cuiabá era um nome distante na minha vida, mas foi nesta cidade que meses depois vim trabalhar. Esbarrei, de certa forma, naquele mesmo cara logo que cheguei. Ele em Brasília e eu na Praça da República/Alencastro acompanhando a votação da emenda das Diretas Já, que acabou sendo rejeitada.
Este foi um dos capítulos da trajetória política de Dante que a minha geração certamente não esquecerá. Ainda sufocada pelos atos extremos da ditadura militar, essa geração não se conformou. Foi às ruas novamente, liderada pelo mesmo Dante, mas para defender uma coalizão de forças que deveria derrubar no Colégio Eleitoral pelo voto indireto Paulo Maluf, então no extinto PDS, e a pretensão dele de ser presidente da República.
O nome indicado por aqueles que empunharam a bandeira das Diretas Já era Tancredo Neves, uma velha raposa mineira, líder do antigo PP. Em torno dele reuniram-se as mais importantes lideranças políticas do país, artistas, dirigentes sindicais, religiosos, intelectuais, e boa parte da população para assegurar a redemocratização no Brasil. O movimento era mais um, nascido com a emenda de Dante, o cuiabano idealista que tinha resumido em duas palavras – Diretas Já – o desejo de toda uma nação.
De volta aos palanques do país, Dante e aqueles que haviam apostado num Brasil melhor. Entre eles, Tancredo, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela – o Menestrel das Alagoas, o então metalúrgico Lula, José Sarney, Marco Maciel, Leonel Brizola, Luiz Carlos Prestes, João Amazonas, a cantora Fafá de Belém, Milton Nascimento, Chico Buarque e dezenas de outros artistas, escritores, ativistas políticos que agora os nomes me fogem da memória.
Essas personalidades conhecidas junto a heróis do anonimato puderam dividir com Dante de Oliveira um rico período da história do país. Estávamos deixando para trás o autoritarismo. Sopravam na nossa face os ventos acalentadores das liberdades democráticas. Não pudemos ir às urnas pela covardia de parlamentares que se venderam e derrubaram as Diretas Já naquele 25 de abril de 84, mas colocamos civis (Tancredo Neves/José Sarney) no poder utilizando o nefasto Colégio Eleitoral, uma cria do próprio regime de exceção.
Por este e muitos outros legados, esta quinta-feira, dia 6 de junho de 2006, quando Dante despediu-se apressadamente de todos, não será esquecida. Na agenda de compromissos do homem das Diretas, ex-deputado estadual, ex-deputado federal, ex-ministro, prefeito de Cuiabá por duas vezes e governador também por duas vezes, estava previsto o início da campanha em busca de uma vaga na Câmara Federal. E ele certamente voltaria àquela Casa que lhe deu voz e a oportunidade de mostrar todo o seu talento político.
Mas hoje, lá pelo andar de cima, o clima é de festa. Dante deve estar numa divertida rodada de conversa sobre política – é claro! – com os amigos Teotônio, Tancredo, Ulysses, Mário Covas, o pai “doutor Paraná” e tantos outros que vão se “achegando” e puxando mais uma cadeira. E talvez, no fundo, Dante com saudade dos de cá, repetiria as palavras do jornalista e escritor Eduardo Galeano: “A memória guardará o que vale a pena. A memória sabe de mim mais do que eu; e ela não perde o que merece ser salvo”.
Margareth Botelho é diretora de Redação de A Gazeta e hoje deixa um pouco de lado a profissional jornalista para falar enquanto cidadã.