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A gente morre na BR-364…

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Tony Tornado, um dos maiores expoentes do soul, no V Festival Internacional da Canção (Maracanãzinho, 1970), emplacou  BR-3: “E a gente corre na BR-3/E a gente morre na BR-3/Há um crime/No longo asfalto dessa estrada”  que, por conta da perseguição dos militares, ganhou outros significados.

Segundo o próprio Tornado, a letra pretendia apenas denunciar a violência de uma das importantes rodovias federais do país.

Faz décadas que a BR-364 vem ceifando vidas, especialmente após o “boom” da agricultura mato-grossense.

Desta feita, foi a vez do meu amigo, Prof. João Dias, além de sua esposa, prof.ª e  escritora Iraci Romagnolli, e de seu genro, Thiago Olímpio Borges.

A BR-364 é veia aberta jorrando sangue da nossa gente, com a conivência do Governo Federal e a leniência da empresa Rota do Oeste.

Somos um país surreal: como uma empresa pode cobrar pedágio realizando apenas 10% da duplicação de uma rodovia? Como é possível tirar do contribuinte milhões todos os dias, sem que tenha sido terminado o serviço?

Que governo faz a concessão (na prática, privatização) de um bem público, cujas melhorias serão arcadas com taxas pagas pelos usuários?

Em suma; paga-se pelo uso daquilo que não existe. Resta-nos uma nesga de realismo dentro dos infindos absurdos surreais: o sangue e os sonhos, diariamente, escorrendo no asfalto da 364 da Rota do Oeste.

João Dias, que sempre revisava seu veículo antes de uma viagem; que nunca andou sem o cinto de segurança; que nunca se atreveu a uma ultrapassagem arriscada; que, invariavelmente, respeitava os limites de velocidade; e agora, João?

E agora, João? Estás sem o futebol semanal, estás sem a matemática que tanto amavas, estás sem teus alunos que o atormentava, estás sem teus colegas que, às vezes, o provocava, só para rirem de ti; estás impossibilitado de ler os livros de tua Iraci, louvando o Pantanal.

Se tu não respondes, João; sequer, o Governo Federal ou a Rota Oeste.

E nós, que continuamos, dia a dia, vencendo a morte, precisamos sair do estado catatônico, da letargia e do imobilismo que nos assolam. Temos de existir como cidadãos e exigir, dessa casta, compromissos com a vida e vida com qualidade.

É mister pensarmos alternativas para que os muitos Joões e Iracis não fiquem eternamente à beira do caminho, para que os milhares de outros Joões e de Iracis que usam a 364 tenham o privilégio de envelhecerem ao lado dos filhos e netos.  

Por que não um mandado de segurança impedindo a cobrança do pedágio até a duplicação da rodovia?

Ou, tentarmos responsabilizar criminalmente o Governo Federal e os donos da Rota Oeste pelas inúmeras vidas ceifadas?

Ou convocarmos a população para o fechamento da 364, até que se apresentem soluções e um cronograma de trabalho? Ou, ainda melhor,  por que não tudo isso junto?

Martin Luther King disse que “nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera”; discordo: muito mais nocivo é quando, nós, cientes da verdade, continuamos atribuindo a outrem a tutela de  nossas necessidades, de nossos sonhos, enfim, de nossas vidas.

O poder instituído tem nos obrigado a pensarmos como Malcolm X: “Queremos a liberdade por qualquer meio necessário. Queremos justiça por qualquer meio necessário. Queremos igualdade por qualquer meio necessário”.

Sérgio Cintra é professor e está servidor da Assembleia Legislativa de Mato Grosso

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