Finalmente a Assembleia Legislativa oferece algo de produtivo à sociedade, explicando como funciona o fracionamento do orçamento do estado, por meio da criação de fundos especiais. É a explicação para o “excesso de arrecadação” que se verifica em determinados períodos do ano, cujo dinheiro é repassado ao Tribunal de Justiça, Ministério Público e aos próprios deputados (Assembleia Legislativa).
Por essa razão falta remédio no posto de saúde e merenda na escola, que não fazem jus ao “excesso de arrecadação”.
Pois bem. Em 2013 os deputados criaram uma Câmara Temática dos Fundos Especiais, formado por técnicos de todas as esferas de governo, e o fizeram por meio do Ato nº 15/2013, atendendo ao requerimento do deputado estadual José Domingos Fraga. O objetivo era estudar e discutir a constituição e a natureza dos Fundos Especiais, bem como a correta aplicação desses recursos.
O relatório publicado não é conclusivo, mas traz informações interessantes.
O emaranhado de normas aplicáveis às questões financeiras e tributárias criou uma anomalia: o dinheiro repassado aos poderes é calculado sobre recurso que eles já detém.
Em miúdos: pensemos que o Estado de Mato Grosso receba R$ 100,00 de tributos em determinado período, o Tribunal de Justiça receba R$ 50,00 por meio do Funajuris (custas judiciais, recolhidas na distribuição dos processos) e o Tribunal de Contas receba outros R$ 50,00 no Fundo de Reaparelhamento e Modernização (multas aplicadas).
Pois bem: o Governo terá que repassar aos poderes uma parcela calculada sobre R$ 200,00 (e não somente sobre os R$ 100,00 que recebeu), de modo que o Judiciário (o Ministério Público também) e o Tribunal de Contas receberão repasse calculado sobre recursos que já são seus.
É por isso que você vê magistrados, promotores e conselheiros habitando gabinetes suntuosos e refrigerados, e a escola de seu filho e o hospital público sucateados. O recurso dos tributos são mal distribuídos, e categorias profissionais como professores e policiais acabam recebendo salários minúsculos, que destoam de sua importância na sociedade.
De acordo com as regras em vigor, durante a execução orçamentária os repasses de recursos aos poderes devem obedecer aos limites percentuais da receita corrente líquida, fixados pela Lei Complementar Federal nº 101/2000, de 6% ao Tribunal de Justiça, de 1,77% à Assembleia Legislativa, 1,23% ao Tribunal de Contas e 2% à Procuradoria-Geral de Justiça.
Atualmente a Lei 9.970/2013 legisla sobre a referida vinculação (artigo 18).
O montante financeiro que é repassado aos deputados, tribunal de justiça, tribunal de contas e ministério público, é calculado sobre a “receita corrente líquida”.
Por receita corrente líquida entende-se o somatório das receitas tributárias de um Governo, referentes a contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias e de serviços, deduzidos os valores das transferências constitucionais.
A fórmula de cálculo é demonstrada no anexo III do relatório resumido da execução orçamentária (LRF, art. 53, I), de modo simplificado a Receita Corrente Líquida seria: tributos + contribuições + receita patrimonial + agropecuária + industrial + serviços + transferências correntes + outras receitas correntes.
Do resultado da soma seriam deduzidas: as transferências constitucionais e legais; contribuição de empregadores e trabalhadores para seguridade social; contribuição para o plano de previdência do servidor; contribuição para o custeio das pensões militares; compensação financeira entre regimes de previdência; dedução de receita para formação do FUNDEB, e contribuições para PIS e PASEP.
O resultado da subtração seria a Receita Corrente Líquida.
O “pulo do gato” em nosso Estado foi a inclusão dos fundos no cálculo da RCL, e a não dedução deste quando calculado o repasse obrigatório. O assunto chegou a ser discutido na campanha eleitoral de 2014, embora de maneira rasa, os candidatos não queriam “se comprometer” com juízes e promotores (só os deputados foram achincalhados pelo tal “excesso de arrecadação”).
Não é segredo a ninguém que o país vive abalos econômicos, as receitas públicas diminuem, o governo estadual retirou direitos legítimos de policiais e professores, e esta questão dos fundos especiais precisa ser debatida.
No ultimo do ano de 2014 o Diário Oficial trouxe um “pacote de bondades” para o Judiciário. Verba indenizatória para pregoeiros e membros de comissão de licitação (Lei nº 10.251, de 31/12/2014), auxílio-alimentação para juízes (Lei nº 10.252/2014), auxílio-saúde a servidores ativos e inativos (Lei nº Lei nº 10.253/2014). É evidente que o Funajuris será chamado a pagar tais benefícios.
O Tribunal de Contas, por seu turno, retira também de um fundo, o de Reaparelhamento e Modernização, recursos financeiros para quitar a verba indenizatória, no valor de R$ 30.000,00 ao mês para os seus conselheiros titulares e substitutos.
Até quando o orçamento suporta esta sangria?
Antonio Cavalcante Filho e Vilson Nery são ativistas do MCCE – Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em Mato Grosso.