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A evolução do direito e algumas questões controvertidas

Arnaldo Justino da Silva é Promotor de Justiça em Mato Grosso
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Atualmente, em nome da evolução do direito se diz as maiores barbaridades do mundo: se tem o dito pelo não dito, e o não dito pelo dito.

Observe a questão da prisão definitiva em razão de condenação criminal, que a Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB autoriza somente depois do trânsito em julgado.

Às vezes relativizam o conceito de trânsito em julgado, outras não, de modo que quando relativizam permite-se a prisão depois de confirmação da condenação em segunda instância.

Outra hora firma-se posição de que trânsito em julgado ocorre quando da decisão não caiba mais recurso por inexistir previsão ou por ter a parte perdido o prazo para recorrer, em interpretações totalmente instáveis que deixam a população perplexa, gerando insegurança jurídica sem precedentes.

Em outro exemplo, a CRFB distribui o poder entre o Executivo, Legislativo, Judiciário e também entre as instituições autônomas.

O art. 71 da Constituição é clarividente ao dar poderes aos Tribunais de Contas para decidirem em sede administrativa somente em duas hipóteses de cautelares, nos termos do art. 71, IX, X, § 1º da CRFB, quais sejam:

1) sustar, após o decurso assinalado para a correção da ilegalidade, os procedimentos licitatórios que estejam em dissonância com a lei, comunicando o decidido ao Poder Legislativo, não incluindo nisso o poder de declarar a nulidade do ato;

2) no caso de contrato administrativo, negócio jurídico bilateral, deverá a Corte de Contas comunicar o fato ao Legislativo, o qual decidirá se susta ou não o ato, cuja decisão o Parlamento comunicará ao Poder Executivo.

Em complemento, estabelece o texto constitucional que se não houver deliberação em 90 dias pelo Legislativo, o TCE terá competência plena para deliberar a respeito, cuja deliberação ainda assim será restrita a sustar (suspender a execução e pagamento) e não declarar a nulidade do negócio.

Contudo, recentemente, em duas ou três decisões liminares da Presidência do STF, alguns ministros ampliaram este poder dos TCEs conferidos pelo poder constituinte.

Entendeu-se em sede de suspensão de liminar, que o TCE pode decretar cautelarmente a indisponibilidade de bens de servidores, agentes públicos e até de terceiros que tenham se relacionado com a administração.

Discordo totalmente dessa concentração de poder nesse órgão administrativo, diga-se de passagem, um poder que o constituinte sequer chegou a sonhar em dar ao Tribunal de Contas, composto por pessoas indicadas na prática sempre levando em consideração questões políticas, e não técnicas.

Essa interpretação enfraquece a democracia na medida em que concentra poderes em um só órgão, desequilibrando os poderes da República, causando sérios riscos de abusos.

A propósito, não se pode olvidar que as decisões dos Tribunais de Contas são meramente administrativas, não sendo órgão jurisdicional, tampouco pertencente ao Poder Judiciário; pelo contrário, é órgão auxiliar do Poder Legislativo no exercício do controle externo.

E tem mais, a CRFB preceitua que o Membro do Congresso Nacional não pode ser preso, salvo em flagrante delito por crime inafiançável. Há algum tempo, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão preventiva de um senador, sob o argumento de que as normas constitucionais evoluem, como evolui o pensamento do povo sobre determinado assunto.

O STF negou tal interpretação, mas mantivera o senador preso (não em razão de prisão preventiva, mas porque ele havia cometido crime inafiançável permanente e estava em flagrante delito), encaminhando o caso para os seus pares deliberar sobre a mantença ou não da prisão, em conformidade com o texto constitucional.

Então, com a bandeira da evolução do direito, do novo pensamento do povo, quer se impor muitas interpretações novas sobre institutos jurídicos estabilizados.

É o que se dá com a tese da prisão por inadimplência injustificada de pensão alimentícia de caráter indenizatório.

Os alimentos indenizatórios são aqueles impostos como indenização por danos causados com a prática de ato ilícito (CC, arts. 948, inc. 114 , e 9505), como, por exemplo, o devido aos dependentes da vítima em virtude de morte provocada em acidente de trânsito.

Não seriam alimentos propriamente ditos (daí falar-se em “alimentos impróprios”); seriam equiparados à prestação alimentar para fins de cálculo da indenização e determinação de seus beneficiários (DIDIER JR., Fredie; et al. Curso de Direito Processual Civil: execução. 7. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2017).

Mais cedo ou mais tarde essa questão, se pode ou não pode prender o inadimplente de alimentos indenizatórios, baterá às portas do STF, o qual, detentor da última palavra, poderá interpretar nesse sentido.

O direito evolui sim, mas precisa de um mínimo de estabilidade e respeito com a construção de interpretações desde há muito sedimentadas. Não é do nada que surgem as interpretações consolidadas pelos tribunais, necessitando-se respeito aos conteúdos normativos confeccionados por quem tem o poder de legislar, sob pena de causar insegurança jurídica.

Penso que o constituinte, lembrando das mortes, mutilações, de todos os tipos de atrocidades, dos encarceramentos de pessoas ocorridos na história para coagi-las a pagar dívidas civis com seu próprio corpo, e não com seu patrimônio, pensando nesse passado sombrio que a humanidade experimentou, não quer mais retroceder.

Preferiu o constituinte deixar claro que ninguém poderá ser preso por dívida civil, seja ela contratual ou extracontratual, esta última também conhecida como obrigação aquiliana, caso em que se enquadram os alimentos indenizatórios.

Apenas, excepcionou-se a prisão por inadimplência injustificada de alimentos legítimos. Isso explica-se perfeitamente pelo forte dever moral de solidariedade entre os parentes, a causar repugnância um pai, em condições econômicas compatíveis, deixar morrer por inanição um filho em tenra idade. Isso é e sempre foi altamente reprovável.

Abra-se aqui um parêntesis para explicar que “os alimentos legítimos são aqueles devidos por força de lei, em razão de parentesco, matrimônio ou união estável (CC, art. 1.694; Lei n. 9.278/1996, art. 7º)”.

Por esses motivos, a doutrina e jurisprudência dominantes interpretam no sentido do não cabimento de prisão por inadimplência de alimentos indenizatórios.

Todavia, vamos lá, vamos ver aonde chegaremos nessa busca de evolução do pensamento jurídico nacional. Estou aqui para ver e participar.

A mim interessa muito mais a segurança jurídica e a razão de existir da norma, aratio legis, a ratio essendi, mas amiúde estaremos abertos a ouvir os argumentos em sentido contrário, e nem sempre com eles concordaremos.

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