Recebi muitas manifestações acerca de meu último texto e, para meu alívio, a maioria esmagadora foi de apoio. As manifestações contrárias e apócrifas, imagino, foram de operadores do direito, indignados com a ausência da "boa" técnica jurídica utilizada no artigo.
Ora, seria um grande contrassenso se em crítica desnuda aos excessos da retórica jurídica, eu lançasse mão também do exagero para fustigá-los.
Bem sei que a retórica é instrumento de trabalho do operador do direito, assim como a calculadora científica o é para o engenheiro. Mas não ajuda que esse profissional utilize de 10 desses instrumentos, pois se só precisa de um para efetuar o trabalho. Nem mais nem menos, só o necessário. E é isso que defendo: a retórica necessária, sem abusos. Simples assim.
Tratava eu, naquela oportunidade, da interpretação dos quatro votos vencidos quando da decisão pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010). Os eminentes ministros vencidos entenderam, agora em "juridiquês", como querem os nefelibatas descontentes, que a lei feriria o princípio da presunção de inocência.
Sem logicamente pretender esgotar o tema, pois para isso basta consultar os brilhantes, embora também vergados pela extensão, argumentos dos votos vencedores, mormente as sempre sábias lições do Ilustríssimo Ministro Ayres Britto, fonte da qual colho apenas as seguintes e ofuscantes passagens: (i) "Essa lei é fruto do cansaço, da saturação do povo com os maus tratos infligidos à coisa pública"; (ii) "Pode um político que já desfilou em toda a extensão do Código Penal ser candidato?"; (iii) "o representante do povo precisa ter reputação acima de qualquer suspeita"; e (iv) "Trata-se do direito que tem o eleitor de escolher pessoas sem esse passado caracterizado por um estilo de vida de namoro aberto com a delituosidade."
O que quiseram afirmar é que a manutenção da garantia individual de se candidatar não poderia e não poderá se sobrepor ao interesse público do eleitor de poder escolher apenas entre os melhores candidatos.
No caso, havia um aparente conflito de normas e princípios constitucionais e que merecia a utilização da Balança de Têmis (no grego Thêmis). Os pratos da balança da Deusa, que acabou se tornando um símbolo de justiça, indicam que não há diferenças entre entre as partes, mas que nesse caso foi requerida para pesar quais dos princípios constitucionais era mais importante: (i) o princípio da presunção de inocência (que se aplica para sentença penal condenatória, que não é o caso) do indivíduo manchado pela condenação dada por um colegiado em segunda instância; ou (ii) a conjugação dos princípios da moralidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da prestação de contas da administração pública e da probidade administrativa, todos, explícitos ou implícitos na nossa Constituição.
E não precisava mesmo muitos argumentos e nem ser nenhum especialista em Direito Constitucional ou catedrático nas letras jurídicas para utilizar a balança nesse caso. No limite, bastaria saber contar.
Isso sem ponderar a clara autorização constitucional contida no § 9° do artigo 14 que diz: "Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta." – Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994. (grifos e negritos meus).
Então, tudo isso para demonstrar que de todos os pontos de vista, mesmo daqueles pontos mais obscuros escondidos n"alma dos intolerantes "especialistas", que os sete votos vencedores estavam cobertos de razão.
E espero que agora se fartem.
E é por isso que Gaia, mãe de Têmis, tem sofrido tanto com a grande arrogância do homem, pois que nada o contenta e nada o satisfaz.
Muitas vezes deixamos de consultar a sabedoria simples da Balança de Têmis para nos confundir em meio ao nosso imbricado emaranhado de normas e teorias, criados não para esclarecer, mas para confundir e privilegiar.
Aqui não estou a defender a demasiada simplificação das coisas. Apenas tentando apontar um defeito – que é comum à todas as profissões e que visa legitimar a sua maior valorização, mas que deve ser combatido por todos – que é o triunfo da técnica sobre a razão. Ou, o que é pior, dos argumentos sobre os fatos.
Pois a depender desse emaranhado de normas e teorias, esquecido o poder da Balança, a vida é um mero detalhe, o interesse público só interessa ao privado mais poderoso que o detém e a liberdade é só um fenômeno decorrente do poder econômico.
Adamastor Martins de Oliveira
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