Hoje completam 33 anos que aportei em Mato Grosso, vindo de Brasília. Gosto de recordar essas datas nem tanto pelo saudosismo, mas pela oportunidade de estabelecer comparações das transformações que pude assistir neste estado e nesse período.
Na verdade, quase não há o que comparar. Esses 33 anos representam séculos de transformação. A começar do estado que ainda incorporava a região do atual Mato Grosso do Sul. A população do último censo, de 1970, dava o Norte do estado como de 598 mil habitantes, que no censo de 1980, seria de 1.139.000.
Cuiabá, a cidade mais importante não passava de 100 mil habitantes, pelo censo de 1970. Era realmente uma cidade pequena e provinciana, com a marca de ser a capital. Tinha um charme construído ao longo da História, com altos e baixos próprios dos ciclos de cidades e de países. O Palácio Paiaguás, recente sede do governo estadual era um lugar distante e isolado da cidade. As ruas e avenidas de Cuiabá eram plácidas e tranqüilas. Morei numa república na Rua Pedro Celestino, com as janelas abertas. Não se falava em violência e nem em insegurança. As pessoas eram extremamente amáveis e dóceis.
Do linguajar ao fazer, tudo corria placidamente. Havia um senso de bem viver que o tempo foi engolindo, até chegar daquela bucólica Cuiabá de 1976 à atual, trepidante e inquieta. Viajar a Cáceres, era uma aventura na seca e no inverno. Ir a Porto Velho, quase impraticável nas chuvas. Mas ir a Sinop ou a Alta Floresta, era outra aventura difícil na seca e impossível nas chuvas. Mas isso não impediu que o nortão de Mato Grosso fosse povoado, abertas cidades e criando quase uma civilização amazônica. Ainda que muita gente tenha morrido nessa epopéia. O mesmo se deu nas demais regiões.
O estado inteiro, incluindo o Sul, tinha em 1977, 13 mil carros emplacados no Detran. Como imaginar que hoje as cidades estariam entupidas de carros? A política era ainda bem definida em cima dos antigos partidos PSD, UDN e PTB, travestidos de PMDB e de Arena, pelo regime militar iniciado em 1964. Por debaixo da mesa as alas internas se cutucavam, motivadas pelas brigas quase ancestrais de grupos políticos. Porem, não posso negar: tudo muito civilizadamente.
Embora fosse a capital desde 1848, Cuiabá tinha a sua corte instalada no entorno do governo. Festas solenes regadas a uísque trazido da fronteira com o Paraguai, no Sul do estado. Peixe, piano, solenidades típicas da corte. Os ricos de então não seriam ricos hoje. Mas, a rigor, não havia riquezas extraordinárias. Pequena classe média e o estado era o maior empregador e comandava a vida da sociedade com as suas liturgias do poder.
Não posso negar, também, que se entrevia no exercício do poder um certo pudor com as coisas do estado. Não que houvesse xiitismo. Mas respeitava-se a chamada coisa pública com mais pudor. Extravios à parte, a liturgia do poder político impunha limites muito claros. Os nomes de família e a tradição política impediam exageros e corrupção desenfreada.
Hoje, passados 33 anos, a velha Cuiabá guarda a mesma hospitalidade dos cuiabanos natos e dos que chegaram depois e se incorporaram gradualmente àquele modo tradicional de viver. Muita coisa mudou pra melhor. Muita coisa desapareceu. Muita coisa se renovou e a fila andou.
Olho pra trás com cabelos brancos, alguma nostalgia daquela vida e daquele estado tranqüilo. Mas uma coisa não posso negar: transitei entre aquele e este momento e pude vivenciar o velho, o novo e o novíssimo. Oportunidade raríssima. Agora espero pelo novíssimo novíssimo…Mais 33 anos, quem sabe?
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso
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