A cada cinco horas uma mulher é vítima de violência sexual em Mato Grosso, sendo 44% dos casos relacionados ao crime de estupro. Dados da Polícia Civil demonstram que de janeiro a julho deste ano, foram 962 registros de violência no Estado. Destes, 260 são denúncias de estupros. As tentativas de estupro ocupam o segundo lugar no ranking, com 142 casos.
Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Mato Grosso, a defensora pública Rosana Leite Antunes de Barros destaca que existe uma subnotificação de registros, uma vez que a violência sexual é um crime que na maioria das vezes ocorre no seio familiar, deixa a vítima envergonhada e, com isso, nem sempre é denunciado.
Ela lembra que muitas vítimas são violentadas por anos, sem nunca se queixarem. Principalmente, as crianças. “Na Defensoria, atendemos inúmeros casos de meninas que foram abusadas por anos pelos pais, tios, avôs e nunca falaram nada. A violência vai ser descoberta lá na frente”. Um exemplo da realidade apontada pela defensora foi vivenciada pela enteada de C.M.V., 54, preso em maio passado acusado de estuprar a adolescente durante dois anos. A família residia no Distrito de Aguaçu.
Na cidade de Mirassol d’Oeste (300 km a oeste de Cuiabá) caso semelhante foi registrado e o padrasto J.A.P.C., 32, foi preso por também estuprar a enteada, atualmente com 15 anos. Ela contou à Polícia que as agressões ocorriam desde que tinha 13 anos. Como esses, Rosana destaca que inúmeros são os casos de vítimas que sofrem caladas por anos e muitas vezes nunca chegam a denunciar.
A defensora destaca ainda que, por questões culturais, muitas vítimas sequer chegam a entender que são violentadas sexualmente, como os casos de maridos que obrigam as esposas a praticar de sexo contra a vontade delas. “Até bem pouco tempo atrás a relação sexual era entendida pela Lei como obrigatória, mas isso mudou. Tem que ser consensual. Se a mulher não quer e for forçada pelo marido, o ato é entendido pela Justiça como estupro”.
Ela comenta que existe um hábito cultural de minimizar os atos do homem e justificar que a agressão é fruto da bebida ou uso de drogas. Quando, na verdade, nada justifica uma violência dessa natureza. Questões religiosas também são apontadas como fomentadoras do silêncio. “Ouvimos na Defensoria muitas mulheres que não querem separar por que serão criticadas na igreja”.
Na avaliação da diretora executiva da Associação das Mulheres pela Paz, Vera Vieira, a violência sexual é um reflexo da “coisificação” da mulher, vista e tratada como objeto pela sociedade. Faz parte de um conceito cultural que precisa ser mudado. Ela destaca que esse tipo de violência expõe as mulheres a outras tipos de crimes, como o tráfico humano. Cita que 83% das vítimas de tráfico de pessoas no mundo são mulheres jovens.
Rosana complementa ainda que as sequelas psicológicas em uma pessoa violentada sexualmente afetam para sempre a vida. “Comento sempre que 60% dos presos passaram por algum tipo de violência doméstica ou sexual. Não estou de forma alguma justificando o delito, apenas demonstro o impacto disso na vida da pessoa e de toda a sociedade”. Diante da gravidade da situação, Rosana e Vera destacam a importância da informação e denúncia como forma de proteção. Citam que debater o tema e capacitar profissionais envolvidos no atendimento às vítimas é indispensável. A defensora lembra que quanto mais cedo é identificada a violência, mais rápido a Justiça pode atuar na proteção, principalmente quando trata-se de crianças. “Todas as vítimas dão sinais de que algo não está certo, a mudança de comportamento é fato. É preciso aprender a identificar esses sinais.