Quando o travesti Huanderson Barbosa, conhecido como "Sandy", chegou ao Centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), se deparou com situações constrangedoras. Devido à aparência e comportamento extremamente femininos, Sandy sofria preconceito por boa parte dos presos e também precisava conviver com os assédios cometidos por outros.
Além disso, ela, que sempre gostou de usar cabelos compridos, maquiagem, bijuterias e roupas de mulher, teve que cortar o cabelo, deixar de lado o batom e usar roupas de homem, numa tentativa de não chamar a atenção. Para o travesti, essas mudanças representaram uma verdadeira agressão.
"Pior do que ouvir insultos e preconceitos era ter que viver como alguém que não sou. Isso era um sofrimento para mim", disse Sandy. A situação dela mudou quando foi implantado, em julho de 2011, o projeto Arco-Íris, que criou um espaço destinado a homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais no Centro de Ressocialização de Cuiabá. O projeto foi apresentado pelo psicólogo Mauro Borges, da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh).
A ala é a primeira do gênero a ser implantada em Mato Grosso, que está entre os quatro estados do país a adotar esse tipo de medida. De acordo com a diretora adjunta do Centro de Ressocialização, Claudiane Almeida, a existência desse espaço de convivência não se trata de privilégio e sim de uma importante conquista para esse grupo.
"Eles cometeram crimes e devem cumprir suas penas. Mas isso precisa ser feito com dignidade. O objetivo do projeto é garantir o cumprimento digno da pena a essas pessoas", disse a diretora, explicando também que, para fazer parte do Arco-Íris, os presos precisam cumprir algumas regras como trabalhar, estudar e não cometer faltas disciplinares. Com isso, eles também são beneficiados pela remição da pena.
Atualmente, seis pessoas estão na ala Arco-Íris, que já chegou a receber 20 presos. Para que o espaço fosse criado, não houve gasto pelo Poder Público, que só precisou disponibilizar duas celas para implantação do projeto.
Quando chega ao Centro de Ressocialização e passa pelo processo de triagem, o reeducando deve informar seu interesse em ficar na ala Arco-Íris. A diretora Claudiane Almeida destaca que o projeto não tem a intenção de isolar os participantes, pois o convívio com os demais reeducandos é mantido.
"No decorrer do dia, eles têm a oportunidade de se relacionar com os presos de outras alas. A diferença é que possuem um local para ficar, dormir, tomar banho e, com isso, podem ter mais privacidade", explicou a diretora. Ela também ressalta que, por medo, algumas pessoas não declaram a homossexualidade e o desejo de ficar na ala Arco-Íris assim que chegam à unidade.
Foi o que aconteceu com Rael da Silva. Ele, que é bissexual, omitiu a informação inicialmente e apenas depois de algum tempo decidiu expor sua opção. Hoje Rael é um dos integrantes do projeto e se dedica a várias atividades, como a produção de artesanatos.
Assim como Sandy, o reeducando Emerson de Souza enfrentou momentos difíceis assim que foi preso. Ele foi levado para o Presídio Pascoal Ramos, onde se envolveu em brigas e chegou a sofrer agressões por ser homossexual. A transferência para a ala Arco-Íris do Centro de Ressocialização representou uma importante mudança para ele.
"Hoje me sinto mais seguro, o que não sentia quando estava no Pascoal Ramos", confessou Emerson. De acordo com ele, a participação no projeto tem sido um incentivo para a real mudança de comportamento, fortalecendo o desejo de não retornar ao mundo do crime. "Aqui estou tendo a oportunidade de trabalhar, fazer cursos e aprender coisas que ainda não tinha tido oportunidade", disse Emerson.
Para o juiz da Vara de Execuções Penais, Geraldo Fidelis, além dos presos, a sociedade tem muito a ganhar com iniciativas como essa. "O sistema penitenciário deve resguardar a integridade física e moral dos reeducandos. As pessoas inseridas no projeto Arco-Íris estão sendo cuidadas com zelo e isso, com certeza, fortalece o trabalho de ressocialização", explicou o magistrado.
Segundo ele, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deseja incentivar a criação de espaços como a ala Arco-Íris em unidades prisionais de todo o país.