A cozinheira Maria de Lourdes Evangelista, 55, quer que o filho, João José Evangelista de Oliveira, 23 anos, volte a Mato Grosso e retire a denúncia por extração ilegal de madeira contra 35 pessoas, presas na operação "Mapinguari". O apelo foi feito nesta terça-feira (3), durante sessão na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. A Polícia Civil conseguiu, depois de 2 anos, descobrir o paradeiro do rapaz, que vive em lugar mantido sob sigilo no Brasil e disse, em vídeo, que não pretende reencontrar a mãe agora.
Bastante emocionada, a cozinheira afirmou ser alvo de ameaças e ter sofrido pelo menos dois atentados, por conta da denúncia que, segundo ela, não passa de uma mentira. "Desde que isso começou não posso mais morar na minha casa. Vivo na beira do rio, em uma barraca. Como o que me dão, visto o que me dão e não consigo emprego em lugar nenhum. Quero só que ele volte e me tire dessa situação".
O caso de João José ganhou destaque em maio deste ano, quando Lourdes e o marido, o ajudante de serviços gerais Moacir Andrade, fizeram um novo pedido à Comissão por notícias e o paradeiro do filho. Na ocasião, ela acreditava que o jovem havia sido morto por conta das denúncias. Titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Silas Caldeira, conta que a investigação começou em 2011, quando ela registrou uma queixa de desaparecimento e que após o pedido dos deputados, vários setores da inteligência foram acionados, até que o rapaz fosse encontrado.
As investigações apontaram que, desde setembro de 2011, quando deixou espontaneamente o Programa de Proteção à Testemunha (PPT), ao qual foi incorporado em 2007, depois da deflagração da operação, o rapaz morou em vários estados e até em países vizinhos ao Brasil.
Já com a localização de João, o delegado Caldeira, o secretário adjunto de Segurança Pública, coronel Antônio Roberto Monteiro de Moraes e o presidente da Comissão, deputado Emanuel Pinheiro (PR), foram ao encontro do jovem. "Contamos a ele de toda a situação, do desespero da mãe. Foi uma grande surpresa sabermos que neste momento ele não queria vir para Mato Grosso e tampouco encontrá-la", afirmou o delegado.
A saída, então, foi a gravação de um vídeo que serviria como prova de que o rapaz está vivo e bem. Segundo Caldeira, o jovem contou que não encontrou na figura da mãe apoio para a situação que estava passando na época das denúncias. "Quero que ela coloque a mão na consciência. Ainda não sei [se quero ver a mãe], pode ser, um dia, mas agora não vou", disse João no depoimento gravado. Além de problemas pessoais com a mãe, João alegou que ainda teme pela vida dele e, mesmo com todas as garantias de proteção policial, não aceitou comparecer à sessão da Comissão.
A cozinheira não acha serem sinceras as palavras do filho no vídeo gravado. "Com certeza tem gente por trás, dando dinheiro para ele ficar longe e escondido. Eu servi como mãe durante 19 anos e, bastou ele ter dinheiro para eu não prestar. Quero que ele venha imediatamente a Mato Grosso e diga que toda aquela denúncia era uma mentira, para eu poder viver minha vida em paz".
Para Lourdes, o filho foi induzido por representantes de uma Organização Não Governamental (ONG), a Fundação Fernando Lee, a realizar as denúncias. Naquela época, Moacir trabalhava na fazenda da ONG, no município de Feliz Natal. "Isso aconteceu na cozinha da minha casa, quando o gerente deu um papel para meu filho assinar. Era a denúncia e em troca ele ganharia R$ 10 mil e um caminhão usado". Logo após assinar o documento, João foi trazido para Cuiabá e desde então a mãe não teve mais notícias.
AMEAÇAS – Com a deflagração da operação e o sumiço do filho, a cozinheira passou a sofrer ameaças e a ter dificuldade em encontrar trabalho. "Arrumava alguma coisa para fazer, aí 2 dias depois o fazendeiro dava uma desculpa e eu tinha que ir embora". Nesse período, chegou a comer carne chutada pelo funcionário de uma fazenda onde encontrou moradia. O abrigo era um barracão, na beira do rio.
Quando tentou voltar para casa, Lourdes passou por duas ameaças. "Uma das vezes o motorista de um carro vermelho parou ao meu lado, disse que eu estava nas mãos dele e arrancou, me jogando em um barranco". Como não tinha a placa do veículo, o caso não foi investigado. Além disso, revela, um motoqueiro costuma rondar a casa, o que fez com que ela abandonasse a residência, passando a viver escondida.
Durante o depoimento à Comissão, a cozinheira chegou a classificar a situação dela como muito difícil. "Há 3 anos não entro em um mercado, em uma loja, porque não tenho dinheiro nenhum. Uso chinelo velho que me deram e nem visitar minha família posso. Minha mãe está doente, minha cunhada morreu, a família está acabando e eu escondida".
Para ela, a única solução para o fim do problema seria o retorno do filho. "Se ele voltar e falar que isso tudo é mentira as coisas vão voltar ao normal, vou poder viver em paz, trabalhando, conseguindo minhas coisas. Será que vou ter que passar o resto da vida assim?".
Para o deputado Emanuel, os fatos levantados pela mãe da testemunha devem ser analisados. "Não sabíamos desta situação de ameaça contra ela e vamos buscar formas de garantir a segurança dela, além de darmos apoio do ponto de vista social". O parlamentar ressalta que não é função da Comissão descobrir se o depoimento é falso, como sustenta a cozinheira, ou se ela quer que a denúncia seja retirada por medo. "O processo da operação está na Justiça Federal".
Já sobre um possível reencontro com o filho, o delegado Silas se propôs a gravar um vídeo, com um depoimento da cozinheira e encaminhar a ele, uma forma de sensibilizá-lo. "Sou pai e imagino a dor dessa mulher. Faremos o que for possível para este reencontro, mas tudo depende da vontade dele".
MAPINGUARI – A operação foi deflagrada em maio de 2007 em trabalho conjunto da Polícia Federal com o Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis e Meio Ambiente (Ibama). O trabalho visava combater crimes ambientais e começou após uma denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF), envolvendo empresários, madeireiros, proprietários rurais, grileiros, índios, técnicos, consultores ambientais e servidores públicos do Ibama e da Secretaria Estadual do meio Ambiente (Sema).