O desembargador Marcos Machado, do Tribunal de Justiça, negou um novo pedido de habeas corpus feito pela defesa para soltar Lumar Costa da Silva, 28 anos, acusado de matar a própria tia, Maria Zélia da Silva Cosmos, 55 anos. A vítima foi assassinada a facadas, em julho de 2019, na rua Rio Negro, no bairro Residencial Villa Bela, e ainda teve o coração arrancado.
A defesa ingressou com recurso novamente apontando excesso de prazo para formação da culpa, já que o acusado está preso há quase dois anos. O advogado também apontou nulidade na decisão que determinou a realização do terceiro exame de sanidade mental em Lumar e que o juiz de Sorriso, Anderson Candiotto, “ultrapassou a linha do livre convencimento, já tendo uma decisão e um juízo de certeza, a caracterizar sua suspeição”. Para a defesa, os laudos periciais comprovam a inimputabilidade do réu.
No julgamento do pedido liminar, Marcos Machado, no entanto, determinou que a análise de um possível excesso de prazo seja feita pelo colegiado da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, “após audição do juiz da causa e intervenção do órgão do Ministério Público”. Ele também entendeu que o pedido de suspeição do juiz Anderson Candiotto deve ser feito por outra “via” judicial e que o reconhecimento da inimputabilidade “envolve questão que demanda análise de elementos probatórios, inadmitida no rito célere do habeas corpus”.
Em janeiro deste ano, os desembargadores do Tribunal de Justiça já haviam negado um pedido de soltura de Lumar. Na ocasião, a defesa também reclamou de “excesso de prazo para formação de culpa”. O argumento, no entanto, foi rebatido pelos desembargadores, que ressaltaram a complexidade do caso, os dois pedidos de revogação da prisão preventiva e a instauração de incidentes de sanidade mental.
Em novembro do ano passado o juiz Anderson Candiotto atendeu a um pedido do Ministério Público do Estado (MPE) e determinou que fosse realizado um novo exame de sanidade no acusado. Lumar já havia sido submetido a um exame de sanidade, o qual concluiu que ele é portador de transtorno afetivo bipolar tipo 1. A médica da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) que realizou o exame também recomendou internação para tratamento psiquiátrico vitalício, ao apontar que o acusado não tinha capacidade para entender o caráter ilícito do crime que cometeu.
O Ministério Público, no entanto, alegou que o estudo feito pela médica não tinha “credibilidade” para conclusão do diagnóstico de transtorno bipolar. O apontamento foi justificado sob a alegação de que a psiquiatra não teria condições de fazer o diagnóstico com apenas um único atendimento, realizado em novembro de 2019. Os argumentos convenceram o juiz, que destacou que aquele exame não apresentava critérios mínimos para o diagnóstico.
Em março deste ano, o segundo exame feito pela Politec foi concluído e apontou que o acusado possui “um quadro de psicose não orgânica não especificada, que cursou com delírios, alucinações visuais e auditivas, alteração de comportamento e impulsividade”. O examinador, no entanto, afirmou que “o diagnóstico em si não está muito claro, podendo ser transtorno afetivo bipolar, transtorno psicótico induzido por drogas ou esquizofrenia”. O perito também concluiu “que existe nexo de causalidade entre a patologia mental e o delito praticado, tornando o acusado por doença mental, na época dos fatos, totalmente incapaz de entender o caráter ilícito de seus atos e de se determinar de acordo com esse entendimento”.
O MPE, porém, avaliou que o laudo não foi preciso e que “foi possível extrair pelos demais elementos contidos nos autos que na ocasião dos fatos, apesar de o acusado possuir transtornos delirantes, esse foi causado pelo consumo voluntário de substância entorpecente LSD, possuindo o acusado a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento”.
Ao determinar o terceiro exame, Candiotto reclamou da “falta de comprometimento dos médicos da Politec”, já que o segundo exame também teria sido baseado em uma única entrevista com o acusado, realizada em dezembro. “Destarte, não menosprezando a capacidade técnica do médico perito que realizou o exame de insanidade mental no acusado, entendo, dada a gravidade do ato praticado, mostrar-se imprescindível, conforme já explanado em decisão anterior, que o profissional da psiquiatria nos informe de forma clara e precisa quais métodos foram utilizados para chegar ao diagnóstico”.
Candiotto nomeou um novo médico psiquiatra para avaliar Lumar. O magistrado determinou que o profissional seja citado para apresentar proposta e detalhar quantos procedimentos serão realizados e quais serão os prazos. O juiz ainda decidiu que “o sistema prisional deverá providenciar o transporte do acusado às consultas, as quais serão previamente agendadas pelo expert e, sendo necessário, uma vez que o médico perito atende em Sorriso, deverá, mesmo que por tempo determinado, realizar a transferência do acusado para o CRS (Centro de Ressocialização de Sorriso), visando desta forma facilitar os atendimentos”.
Em agosto do ano passado, conforme Só Notícias já informou, a defesa protocolou um pedido de tratamento psiquiátrico vitalício, com base no primeiro laudo feito pela perícia. No primeiro depoimento à Politec, o réu alegou que era agredido constantemente pela mãe durante a infância. Revelou ainda que, aos 23 anos, começou a fumar maconha e, cinco anos depois, fumava seis cigarros da droga por semana. Afirmou que, em abril de 2019, quando morava em Campinas (SP), decidiu visitar os parentes em Sorriso, onde permaneceu por oito dias. Ao regressar para a cidade paulista, passou a intensificar o uso de maconha e LSD.
Lumar contou que as drogas faziam com que dançasse por horas seguidas e davam energia para que andasse por muito tempo sem sentir cansaço. Também revelou que passou a não ter mais sono e tinha alucinações, escutando “vozes do universo” que diziam que ele era “a pessoa escolhida, alguém de superpoder”. Ainda afirmou que tinha delírios e sentia-se perseguido, além de ter alterações de humor que resultavam em conflitos no trabalho, o que fez com que fosse demitido.
Segundo o relato, Silva foi até a casa da tia, em Sorriso, em junho do ano passado. Ele contou que, mesmo Maria Zélia o recebendo com muito “afeto”, tinha medo de ficar na residência, por achar que alguém iria roubar suas roupas e que havia câmeras o vigiando. De acordo com o depoimento, Lumar brigou com vizinhos do local e sua tia o mandou embora. Ele relatou que, três dias depois, passou na casa para pedir desculpas, quando viu Maria Zélia segurando uma faca.
Lumar detalhou que entrou em luta corporal com a tia e a atingiu no pescoço com a faca. Em seguida, com ela ainda viva, abriu o tórax e retirou o coração. Disse que fez isso porque “o universo queria” e “as vozes diziam” que ele “precisava revolucionar o mundo e ser o rei do povo”.
O Ministério Público denunciou Lumar pelo crime homicídio qualificado, cometido por motivo fútil, emprego de meio cruel, utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima e contra a mulher em âmbito doméstico (qualificadora de feminicídio). O MP também destaca que, até o momento, não há elementos concretos capazes de indicar que o denunciado possui problemas mentais.
A promotoria aponta trecho da investigação que demonstrou ser Lumar uma pessoa “muito inteligente, autodidata” e que aprendeu um idioma estrangeiro apenas por livros e vídeos na internet. O inquérito traz depoimentos do pai do acusado, o qual disse que Lumar chegou até a ter proposta para trabalhar fora do país.
O acusado, que morava em São Paulo, foi para Sorriso após um desentendimento com a mãe e foi acolhido pela tia, Maria Zélia. Conforme a denúncia, ao descobrir que Lumar era usuário de drogas, a mulher pediu para o sobrinho sair da casa. Lumar foi morar em uma quitinete, mas voltou e cometeu o crime. Além do homicídio, ele furtou R$ 800 da tia. E ainda levou o coração de Zélia para a prima, filha da vítima, além de roubar o carro da prima e tentar sequestrar a filha dela, uma menina de 7 anos.
Na fuga, bateu em uma subestação de energia. O objetivo do atentado contra a concessionária seria “apagar as luzes da cidade” para matar o maior número de pessoas. No entanto, ele foi preso logo depois e transferido para a Penitenciária Osvaldo Florentino Leite, o “Ferrugem”, em Sinop, onde segue em cela separada. Em depoimento ele negou qualquer arrependimento quanto ao crime e disse que a tia merecia morrer.