Nos próximos seis meses, 49% dos fumantes do país planejam deixar o cigarro, o maior índice registrado entre todos os países que compõem o Projeto ITC Brasil – pesquisa que mede o impacto psicossocial e comportamental de políticas para o controle do tabaco. Os resultados foram divulgados hoje, durante o Congresso Instituto Nacional do Câncer (Inca) 80 anos, realizado no Rio de Janeiro.
Os dados do Projeto Internacional de Avaliação das Políticas de Controle do Tabaco (Projeto ITC Brasil) englobam informações relativas a 24 países. Entre os principais motivos apontados pelos fumantes para deixar o hábito estão a preocupação com a própria saúde, com os danos que possam vir a causar em outras pessoas pelo tabagismo passivo e com a possibilidade de dar mau exemplo a crianças. A pesquisa indica, entre outros aspectos, que os fumantes brasileiros estão altamente motivados para deixarem de fumar e apoiam novas ações governamentais de combate ao tabagismo.
Para a diretora-geral do Inca, Ana Cristina Pinho, os dados significam um “pedido de socorro” por parte dos fumantes do país, que querem deixar o vício mas não conseguem. “Os números mostram com muita clareza o que significa a dependência física e psíquica de uma droga. O fumante tem a consciência de que o tabaco é danoso à sua saúde, mas não consegue se libertar da dependência”.
Para a diretora-geral do instituto, “o fumante tem a consciência de que fumar é nocivo à sua saúde e à de sua família, e todo o impacto social envolvido. Os números constituem sim em um pedido de socorro por parte dos que querem deixar o vício”, enfatiza.
De acordo com a pesquisa, os resultados relativos aos que planejam deixar o vício nos próximos seis meses no Brasil indicam “um índice bastante elevado, principalmente se comparado ao de países desenvolvidos com programas estruturados de controle ao tabaco como Estados Unidos (índice de 37%), França (34%), Inglaterra (33%) e Alemanha (apenas 10%)”.
Além de registrar o maior percentual de entrevistados que planejam deixar o cigarro nos próximos seis meses, o estudo revela que fumantes e não fumantes apoiam a criação de novas ações governamentais para o combate ao tabagismo.
A secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CONICQ), Tânia Cavalcante, destaca que a mudança de visão da sociedade brasileira em relação ao cigarro é fruto do trabalho de diversos atores ao longo dos anos. “Essa mudança na postura em relação ao hábito de fumar, que era bem visto e amplamente estimulado no Brasil entre as décadas de 70 a 90, é fruto de um longo trabalho desenvolvido pelo Inca e pelo Ministério da Saúde, em parceria com secretarias de saúde e a sociedade civil", aponta.
Outra constatação da pesquisa é a de que existe um forte apoio até mesmo para a proibição total da comercialização dos produtos de tabaco. O Projeto ITC perguntou a todos os 1.358 entrevistados, entre setembro de 2016 e março de 2017, se eles apoiam ou se opõem a uma proibição total de produtos de tabaco nos próximos 10 anos caso o governo forneça tratamento para ajudar fumantes a deixarem o vício. Os resultados mostram que 68% dos fumantes e 77% dos não fumantes pesquisados “apoiam” ou “apoiam fortemente” essa proibição.
Vera Luiza da Costa e Silva, chefe do secretariado da Convenção do Controle de Tabaco da Organização Mundial de Saúde (OMS), ressaltou durante o congresso que a proibição do tabaco não está em pauta.
“Os dados do ITC não propõem essa proibição, eles simplesmente utilizam este indicador como medida da não aceitação social do produto por parte do fumante e do não fumante. E quando você vê que uma parte grande da população acha até que proibir seria uma solução, é porque a situação está chegando a um ponto em que o produto não está sendo bem aceito”, disse.
Para ela, os resultados da pesquisa são um estímulo para se discutir como avançar na regulamentação do uso de outras substâncias, como o álcool e alguns produtos alimentícios. "[Pensar] em como se avançar dentro da mesma lógica de regulamentar. Não é proibir, é regulamentar. E ter um olhar, dentro desta regulamentação, voltado principalmente para os adolescentes e para a população de baixa renda”, disse.
A importância da regulamentação também foi defendida pela diretora-geral do Inca, Ana Cristina Pinho. Para ela, ao contrário das drogas ilícitas, no caso do cigarro o que se pretende é reduzir o consumo via estrangulamento do acesso ao produto.
“É o caso de dificultar o consumo via estrangulamento, dificultando o início do hábito, daí a importância de uma política educativa tendo como meta dificultar o vício do hábito de fumar: e aí o público-alvo é a criança e o adolescente, porque 90% dos fumantes adquirem o hábito nesta fase da vida”, destaca.
No entendimento de Ana Cristina, “é necessário primeiro desmistificar, tirar o glamour do hábito pelo tabaco". Esse trabalho passa por medidas relacionadas à indústria tabagista, como a padronização das embalagens e a questão dos aditivos que adicionam sabores aos cigarros. No entanto, ações desse tipo envolvem a formulação de legislação específica.
“Já existem muitos projetos que contemplam algumas dessas medidas, mas o lobby no Congresso Nacional é muito forte por conta de parlamentares ligados diretamente à indústria tabagista. E eles [projetos] estão lá parados e são de difícil aprovação. Mas é um desafio que precisa ser encardo porque o custo para o país é muito alto”, argumenta.