O agricultor Martinez Abadio da Silva, acusado de ser o pistoleiro que matou em 1987 o padre jesuíta Vicente Cañas, achado morto no interior da Reserva Indígena Salumã, dos índios Enaene-Nawê, em Juína, está livre de ser condenado. O processo simplesmente “caducou” e não coube outra alternativa ao juiz Jeferson Schneider, da 2ª Vara Federal de Cuiabá, que determinou a sua extinção. Foram 19 anos entre o fato ocorrido e o julgamento. Desta vez, o tempo foi implacável.
O magistrado explicou que Martinez Abadio, cujo julgamento começou na terça-feira, não poderia mais ser condenado devido à sua idade e também ao tempo decorrido entre o crime e a data da denúncia feita contra ele no processo. Martinez só foi denunciado 12 anos depois do crime à Justiça Federal, pois havia conflito de competência a respeito do processo, que de início ficou com a Justiça Estadual.
O Ministério Público Federal fez a denúncia à Justiça Federal porque o padre trabalhava na demarcação da terra indígena Enawenê-Nawê, quando foi assassinado. A disputa pela área foi o motivo do crime. Conforme a denúncia do MPF, os autores do crime encontraram o padre tomando banho em um rio na fazenda Londrina e o mataram com dois golpes de borduna e duas facadas.
Após extinguir o processo contra Martinez, o juiz deu início ao julgamento do ex-delegado da Polícia Civil, Ronaldo Antônio Osmar, acusado de ser o mandante do crime. José Vicente da Silva, acusado de ser outro pistoleiro, será julgado no dia 31, conforme decisão tomada pelo magistrado.
Detalhe: também por causa da demora no processo, alguns acusados se livraram de ser julgados. Dois fazendeiros denunciados como mandantes pelo Ministério Público, Pedro Chiquetti e Camilo Carlos Obici, já morreram. O quarto mandante acusado, o fazendeiro Antonio Mascarenhas Junqueira, não pode mais ir ao tribunal porque tem mais de 70 anos e a ação contra ele já prescreveu – o mesmo que aconteceu agora com Martinez.
O assassinato de Cañas expôs as tensões fundiárias no oeste do Estado, principalmente em relação à luta de Cañas pelas terras dos indígenas da etnia Enawenê-Nawê, um grupo quase isolado do contato com não-índios e que ainda não tinha área demarcada ou homologada. À época, os fazendeiros locais pressionavam contra a medida. Quando foi assassinado, Vicente Cañas voltava de uma reunião na Funai em Brasília, certo de que a demarcação da reserva. A morte só foi descoberta porque a ausência de contatos por rádio chamou a atenção dos companheiros de missão. O jesuíta conviveu com os índios por mais de dez anos, tendo participado do primeiro contato da etnia com homens não-índios, em 1974.