A possível entrega da Companhia de Saneamento da Capital (Sanecap) ao setor privado é polêmica em Cuiabá. De um lado está o prefeito Chico Galindo (PTB), que admite falhas no fornecimento de água à população e sinaliza como solução a privatização (venda definitiva) ou terceirização (concessão temporária) do serviço. De outro, estão pelo menos 13 entidades da sociedade civil organizada, defensoras de investimento e seriedade na condução do trabalho na autarquia, que teria sido "sucateada" nos últimos anos. Hoje, cerca de 20% das 150 mil unidades consumidoras não têm regularmente água nas torneiras.
O vendedor Orival Alves de Arruda, 49, reside na estrada da Guia e relata que o termômetro para a falta de água é o cano. Quando ele estoura, o que acontece de vez em quando, já tem que se preparar para racionar. Ele acha errado repassar a empresa a um grupo empresarial, seja por meio de privatização ou terceirização e discorda que o serviço irá melhorar. "Vai melhorar o bolso deles, que estão usando dinheiro do povo para se beneficiar".
No Residencial Coxipó a água até chega, mas a cor escura a torna inutilizável. A gerente de marmitaria, Ivani Martins, 57, sai para trabalhar de segunda a sexta-feira e no final de semana, quando retorna para casa, percebe a condição péssima ao lavar a roupa. "A gente não pode colocar a roupa na máquina e deixar trabalhar, porque mancha todinha".
Pela situação frequente de descaso, ela é a favor de ceder o serviço ao setor privado, mas ressalta ser de competência da Prefeitura fazer o controle de preço.
Balde cheio – O fornecimento regular de saneamento é garantido à população pela legislação. Mas, há pelo menos 4 anos, 8 bairros de Cuiabá lutam na Justiça para ter este serviço disponível ao ligar a torneira. Após tantas denúncias, em junho do ano passado, o promotor de Justiça da Cidadania, Miguel Slhessarenko, ingressou com ação na Justiça para garantia do serviço, afirmando ser de responsabilidade do poder púbico. Apesar das reclamações, diz que nada mudou ao longo dos anos e a esperança implantada nos cuiabanos com a inauguração da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Tijucal foi por ralo abaixo.
Slhessarenko não julga qual o melhor caminho para resolver os problemas, especialmente quando se analisa a rede de esgoto disponível, mas destaca ser necessário fazer um estudo técnico para análise dos efeitos causados por uma privatização para que ela não se torne "mera entrega do serviço público".
Um projeto com custos, investimentos e tarifas previstas de cobrança aos usuários é imprescindível para a tomada de decisão, explica o promotor de Justiça de Patrimônio Público, Roberto Turin. E para transparecer os benefícios que a nova gestão possa trazer, uma audiência pública para apresentação destas informações, como ocorrerá no próximo dia 25 na Câmara Municipal, é importante.
Dispensa de verba federal -O Fórum de Lutas Contra a Privatização da Sanecap soma até o momento 13 entidades da sociedade civil organizada. O movimento é organizado pelo vereador Lúdio Cabral (PT), que não vê vantagem alguma no repasse da autarquia para uma entidade privada. A cessão corta diretamente o trânsito de verbas do Governo Federal para a Capital, pois a Lei nº 11.445 restringe o repasse para o setor privado. Investimento para a ETA Tijucal, por exemplo, que foi financiada integralmente por verba federal, não teria sido conseguido.
"Os problemas são grandes, mas o que falta é gestão técnica, qualificação e comprometimento de gestores e interesse público. A transição de 4 presidentes em 2010 e as suspeitas de prática de nepotismo são exemplos de falta de continuidade no trabalho".
O deputado federal Valtenir Pereira (PSB) não vê necessidade em privatização e sim no desenvolvimento de um projeto com investimentos no setor, determinando quais são as reais necessidades de melhoria em infraestrutura. "As mesmas dificuldades que nós temos, o setor público vai enfrentar e não estamos aqui para fazer experimento".
Migração de gerenciamento em outros Estados, como a cidade de Manaus (AM), que repassou o serviço para entidade privada, mas em seguida foi abandonada pela concessionária por falta de lucro. O senador Pedro Taques (PDT) é contrário ao repasse ao setor privado. Após a entrega de serviços de saúde, educação, afirma não ser bom a cessão do saneamento. A água é um bem público e o preço deve ser subsidiado.
Boicote – A situação caótica a que chegou a Sanecap, que está endividada e tem como credores a própria Prefeitura e a Câmara de Vereadores, foi propositada pela Prefeitura, segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Sanecap, Ideueno Fernandes de Souza. A sucessão de presidentes em curto período de tempo, aliado ao fracasso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que pretendia ampliar a rede de esgoto na Capital, culminou na atual situação, que está sendo "aproveitada" pelo prefeito Chico Galindo para justificar a concessão na opinião dele.
Para realizar a privatização ou terceirização do serviço, diz que é obrigatória a formulação de um planejamento de ações, que demoraria cerca de 1 ano.
Outro lado – A assessoria de imprensa da Sanecap diz que o atual presidente, Aray Carlos da Fonseca Filho, tem como objetivo tirar a autarquia do vermelho e as discussões em torno do repasse para o setor privado estão sob coordenação da Prefeitura.
A reportagem fez contato com a assessoria do prefeito Chico Galindo mas, até o fechamento desta edição, não deu retorno.