Detentas da maior unidade prisional feminina do Estado, a penitenciária Ana Maria do Couto May, denunciam opressão, abusos, alimentação estragada, falta de atendimento à saúde e a suspensão de atividades e projetos que possibilitariam a remissão de penas.
A unidade abriga 178 internas, entre presas provisórias e condenadas. Em carta encaminhada à reportagem, elas relatam que estão ociosas e sem qualquer possibilidade de obter ganho com trabalho realizado dentro da prisão, bem como abater parte das penas, como ocorreu em anos anteriores.
“Temos total consciência que erramos e, por isso, estamos presas aguardando a Justiça ser cumprida. Mas apesar de tudo somos mulheres, mães de família e esposas”, argumentam ao pedirem atenção das autoridades.
Um dos problemas está na opressão dos agentes, que inclusive não se restringe a elas, mas aos familiares, nos horários de visitas. Idosas e crianças são submetidas a constrangimento, ficando nuas e fazendo agachamentos para detecção de drogas nas partes íntimas. Isto acontece apesar de existir equipamento detector em forma de portal e um banquinho para a visitante se sentar. O abuso fica claro, segundo as detentas, porque a medida é tomada só em determinados plantões.
A restrição de entrada de alimentos e produtos de higiene é o que fomenta o comércio abusivo dentro da unidade, administrado pela direção. As regras variam em cada plantão e as restrições atingem principalmente insumos da higiene diária. Mas a unidade permite que as presas gastem até R$ 200 semanais no “mercado”.
As mulheres argumentam que a maioria não tem condições de pagar. Nem as que recebem visitas das famílias, muito menos aquelas que têm parentes distantes ou não são visitadas. Na tabela do mercado da prisão, uma escova de dente Oral B custa R$ 24, enquanto é possível comprar duas por pouco mais de R$ 10.
As denúncias apontam um grupo restrito de agentes que, segundo elas, as chamam de “fedidas” e as humilham constantemente, obrigando-as a ficar nuas diante delas. Relatam um caso recente de 6 detentas que estudam e que foram acusadas de portarem drogas. Foram encaminhadas para a Unidade de Pronto Atendimento e além de passarem por exames de raio-x, foram submetidas a toque retal e nada foi encontrado no corpo delas.
Até membros de grupos evangélicos estariam deixando de atuar na unidade por serem submetidos a revistas vexatórias e constrangedoras. Recentemente, relatam que uma pessoa teve o sapato totalmente destruído e deixou a unidade descalça, após revista em busca de entorpecente.
Agressão com spray de pimenta e até uso de arma antimotim, que recentemente “disparou sozinha”, contra interna, são relatados na carta. As detentas dizem que vivem sob ameaça de ficarem trancadas caso denunciem a situação.
As presas lembram que recentemente receberam a visita do juiz da Vara de Execuções Penais de Cuiabá, Geraldo Fidélis. A expectativa era de que a situação melhorasse mas afirmam que ocorreu o contrário, a opressão aumentou.
Citam o caso de uma aluna que estava com febre e foi obrigada a assistir aula, caso contrário o raio inteiro ficaria trancado. A direção teria dito que o castigo era pelo fato de terem feito reclamações ao juiz durante a visita.
Em relação à saúde afirmam que o atendimento é precário, denunciam inclusive que uma das presas, recentemente, sofreu um aborto e não teve qualquer assistência.
Outra reivindicação é pela reativação da cozinha industrial da penitenciária, que produzia as refeições das próprias internas e ainda era usada para fabricação de salgados. Os alimentos eram comercializados, revertendo em renda e remissão de pena. Em alguns casos se transformavam na opção de trabalho após cumprimento da pena.
Hoje a alimentação é fornecida pela Estado e muitas vezes chega estragada, denunciam as mulheres. Uma vez por semana as presas têm direito a receber dos familiares uma alimentação diferenciada. Mas, com frequência, a comida é toda jogada no lixo pelos agentes, caso o peso supere 5,5 quilos.
Ao ter conhecimento do conteúdo da carta, enviada pela reportagem, o juiz Geraldo Fidélis assegurou que as denúncias elas serão encaminhadas ao Conselho da Comunidade para verificação in loco e à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), para apuração. Quanto ao comércio dentro das unidades prisionais, diz que o Governo do Estado está elaborando a regulamentação das cantinas, por meio da Sejudh.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional de Mato Grosso, Betsey Miranda, também disse que dará encaminhamento às denúncias. Lamenta o retrocesso e a retirada de muitos programas de sucesso que ofereciam oportunidade de trabalho e reintegração social após o cumprimento da pena. Lembra que através do trabalho, até o ambiente dentro das unidades tinha uma melhor qualidade.
Outro lado – a Sejudh, por meio da assessoria de imprensa, destacou que hoje 90 presas da unidade trabalham, obedecendo aos critérios estabelecidos pela Lei de Execuções Penais. Destas, 70 executam atividades dentro da unidade, como artesanato, jardinagem, serviços gerais, salão de beleza, oficina de costura (confecção de uniformes para os presídios de Cuiabá) e confecção de salgados.
Outras 20 trabalham externamente, na execução de serviços gerais em órgãos públicos. Afirma que as reeducandas que não trabalham (que é quase metade) são apenas as que respondem procedimento administrativo disciplinar por alguma infração cometida dentro da prisão.
Sobre a alimentação servida, confirma que houve problemas, mas garante que foram prontamente corrigidos pela empresa fornecedora. Já em relação às revistas, a secretaria afirma que não existem procedimentos manuais, mas apenas os mecânicos. Ou seja, afirma que os alimentos só passam por detector de metal e pelo raio-x.
A Sejudh nega superfaturamento nos produtos da cantina, inclusive os de higiene, mas diz que está regulamentando o funcionamento de todas as cantinas nas unidades prisionais.
Por último, afirma que todas as reclamações já estão sendo investigadas pela secretaria adjunta de Administração Penitenciária.