A Polícia Federal já tem os responsáveis, em sua jurisdição, para a colisão entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, que deixou 154 mortos em 29 de setembro: os pilotos americanos Joe Lepore e Jan Paul Paladino. Segundo o delegado federal Renato Sayão, que preside o inquérito, os dois “observaram que o transponder e o TCAS estavam desligados por um bom tempo, sem que tomassem as providências necessárias”. O TCAS é o sistema anticolisão e fica ligado ao transponder, que dá a localização do avião.
Segundo Sayão, os pilotos deveriam ter abaixado a altitude ao notar que o equipamento estava desligado ou apresentava problema. “Ele aparece lá: TCAS off. Dá um alerta. Esse equipamento dificilmente estaria quebrado.”
Ele afirma que houve falhas também dos controladores da base de Brasília, mas, como eles não estão sob a jurisdição federal – fica a cargo da Justiça Militar trabalhar no caso -, não poderão ser apontados como culpados pela PF. “Poderíamos até falar também em culpa do controle do espaço aéreo, mas esbarramos na competência”, disse. “Até o momento, os únicos que estão sob a jurisdição federal são os pilotos, é a eles que vamos imputar a responsabilidade do acidente.” Sayão descartou que tenha ocorrido erro dos controladores de Manaus ou São José dos Campos.
O fato de os dois não prestarem esclarecimentos contribuiu para o atraso do inquérito e o pedido de mais 60 dias para a conclusão da investigação. A PF interrogou os pilotos antes de indiciá-los em dezembro, mas eles não responderam a nenhuma pergunta.
Sayão enviou perguntas a dois peritos do Instituto Nacional de Criminalística (INC), em Brasília. A lista das dúvidas do delegado – a que o jornal O Estado de S. Paulo teve acesso – é básica, mas as respostas técnicas são necessárias para concluir o laudo e a investigação. A PF quer saber em detalhes, por exemplo, como funciona o transponder e o TCAS. Perguntou também se é possível confundir os botões que interligam os equipamentos instalados em um mesmo console e se são acionados em conjunto. Há outras questões que, com a ida dos pilotos para os EUA e a recusa deles em depor, podem ficar sem resposta.
A PF está certa de que o transponder não funcionava, mas quer saber se os pilotos não notaram a falha por erro de operação ou desatenção provocada pelo uso de equipamento – laptop ou mini-DVD. “Acho que na verdade não querem prestar declarações. Não vejo diferença de prestar depoimento aqui ou no processo penal”, disse o delegado.
O colunista Joe Sharkey culpou de novo a falta de domínio de inglês dos operadores de vôo brasileiros pelo acidente entre o Legacy e o Boeing da Gol. Sharkey escreve sobre aviação no The New York Times e viajava no Legacy. Em seu blog, diz que o inglês é a língua mundial do controle aéreo e “muitos controladores brasileiros não conseguem se comunicar em inglês para além de algumas frases e palavras memorizadas”. “Numa emergência, isso pode causar (e causou) complicações.” Sharkey cita reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada segunda-feira, em que a Força Aérea diz que vai criar um sistema de alerta sonoro e visual nas telas dos radares dos Cindactas e promover aulas de inglês para seus controladores. Cita o ex-presidente da Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo, Ulisses Fontenele, para quem o acidente seria evitado “se os controladores brasileiros do Legacy dominassem inglês”.