Aprovação da reforma da Previdência ameaça reduzir ainda mais o efetivo da Polícia Civil (PJC) em Mato Grosso, que já opera com um déficit de 50% no número ideal, e inviabilizar as ações no Estado. Atualmente, 300 mil inquéritos estão em andamento, distribuídos para o efetivo de 194 delegados em atividade, de um universo de 220, incluindo os recém-empossados do último concurso público realizado em 2017. Dos 18 que concluíram formação em maio, 3 já deixaram os cargos após aprovação em outros concursos.
Dos 2.996 servidores da PJC, entre delegados, investigadores e escrivães, 2.668 estão em atividade. Mais de 10% estão licenciados ou cedidos para outros órgãos. Do total, estão aptos para aposentadoria 160 servidores, sendo 24 delegados (15%), 55 escrivães (34,3%) e 81 investigadores (50%). Com as mudanças nas regras, que aumentam a faixa etária e tempo de contribuição, servidores aptos se antecipam para garantir a aposentadoria dentro das regras vigentes, agravando ainda mais o déficit de recursos humanos. Só em relação a delegados o quadro sofreria uma redução de mais 10%. Uma das saídas recentes foi a desativação de 16 unidades em todo Estado, com remanejamento de 47 policiais.
Diante da atual crise econômica e falta de perspectivas de novos concursos, a Polícia Civil de Mato Grosso terá que se reinventar, enfatiza o diretor-geral da instituição, Mário Dermeval Aravéchia de Resende. Atualmente são 146 delegacias ativas, de um total de 187 criadas. Destas são 33 Especializadas, 15 Regionais, uma virtual, 4 de Circunscrição Estadual, além de duas gerências com atividades de delegacias. Diante do quadro sombrio, a categoria busca o fortalecimento da instituição. Em relação à reforma da Previdência (PEC 06/19), o objetivo é garantir a isonomia entre todas as polícias a fim de evitar um abismo no tratamento previdenciário de uma instituição para outra.
Na proposta em análise hoje, a Polícia Civil afirma ser preterida em relação aos militares, em vários pontos. Um deles é em caso de pensão por morte, onde o militar tem garantido 100% do pagamento aos dependentes e a Polícia Civil apenas 50%. Para o diretor-geral, apesar de muitas vezes o trabalho da PJC parecer “invisível” para a sociedade, tem grande importância social e é imprescindível quando se trata do combate ao crime, associações criminosas e para que efetivamente haja a punição de seus autores.
Depois da ação da Polícia Militar, que é vista nas ruas, a PJC é responsável pela formalização das prisões, investigações complementares até a finalização do inquérito a ser analisado e encaminhado ao Ministério Público e Justiça. Solicitações de perícias, tomadas de depoimentos, intimações em um universo de 1.070 crimes e delitos previstos no ordenamento jurídico. Dados da PJC apontam que hoje existem cerca de 1 milhão de mandados de intimação para serem cumpridos, em decorrência de investigações. Isto é, um terço da população do estado.
Hoje a instituição também esbarra na falta de autonomia administrativa e financeira, dificultando a captação de recursos que acabam indo para a fonte única do Estado, que abrange toda segurança pública. Com isso, muitas medidas aplicadas a todo setor não atendem demandas específicas da instituição. A terceirização de atividades meio, hoje executadas por policiais, para que atuem efetivamente na investigação e o investimento em novas tecnologias para o desempenho do trabalho policial estão entre as propostas da diretoria. A implantação plena do inquérito eletrônico, que prevê grande impacto financeiro pela redução na compra de papel e celeridade nas comunicações de inquéritos entre a PJC e a Justiça. Inclui ainda a nomeação de pelo menos 20 delegados aprovados em concurso, que integram o cadastro de reserva.
Diretor-adjunto da PJC, Gianmarco Paccola Capoani enfatiza que até 2020 Mato Grosso terá que implantar Delegacia de Combate à Corrupção, requisito para receber recursos federais. Mas lembra que hoje já existe uma estrutura pronta para atendimento às vítimas de violência doméstica em Cuiabá que não está atendendo ainda por falta de servidores, apesar da grande demanda.
O desmonte da Polícia Civil ao longo dos anos afeta os demais profissionais do quadro, entre escrivães e investigadores, que hoje sofrem com a sobrecarga de trabalho. Para Davi Nogueira, que preside o sindicato dos escrivães do Estado, dos 690 servidores concursados, 550 estão atuando e 10% do total estão aptos a se aposentar. O ideal, para atender a demanda de trabalho, seria entre 1,2 mil e 1,4 mil escrivães. Ressalta que hoje uma delegacia funciona sem delegado, mas não sem escrivão. Um único profissional responde pela unidade 24 horas por dia e 7 dias por semana, sem direito a descanso, dentro de uma escala de “sobreaviso”, não regulamentada, que não é remunerada e nem compensada com banco de horas. Com isto os profissionais adoecem, principalmente com doenças psíquicas, se afastam e sobrecarregam ainda mais os que continuam. “É um círculo vicioso”.
Nogueira salienta que em razão das mudanças previstas, onde o servidor aposentado terá grande prejuízo em relação ao da ativa, a situação vai se agravar ainda mais. Isto porque muitos servidores, mesmo sem condições de desempenhar mais suas funções, vão relutar em se aposentar e, com isso, terão uma produtividade baixa, inviabilizando a ocupação de sua vaga com realização de novos concursos.
Delegados de Polícia ficam vulneráveis em razão da grande demanda de trabalho, quando um único profissional responde por até 4 ou mais delegacias de uma só região, enfatiza a presidente do sindicato da categoria, Maria Alice Barros Martins Amorim. Por não ter a capacidade física de estar em todas as unidades, sem caráter de exclusividade, estão mais sujeitos a erros. A situação não se restringe às regionais do interior, onde o quadro é gravíssimo, afirma. Mas chegou às delegacias da região metropolitana. Hoje, delegados de especializadas que atuam de segunda a sexta-feira em suas unidades com grande demanda de trabalho ainda são deslocados para cumprir plantões nas Centrais de Flagrantes.
No início desta semana, uma comissão de investigadores de Mato Grosso segue para Brasília em mais uma missão que busca garantir para a categoria a isonomia em relação à proposta da reforma da previdência. Um dos pontos mais drásticos, aponta Edleusa Mesquita, presidente do sindicato da categoria, é o aumento da contribuição dos servidores de 9% e 11% hoje, de aposentados e servidores da ativa, respectivamente, pode saltar para 14% e 22%. Aliadas a outras medidas, podem impactar em uma redução de 60% a 70% da remuneração do profissional que atua em uma área de risco e de fundamental importância para a sociedade.