A redução e a fragmentação das áreas de florestas têm causado impactos na aparência (fenótipo) e morfologia de pequenos mamíferos na Amazônia mato-grossense. Essa é a conclusão principal da tese de doutorado do egresso da Unemat, Welvis Felipe Fernandes Castilheiro, apresentada e aprovada na Universidade de Lisboa, em Portugal, intitulada: “Impactos da fragmentação de florestas em pequenos mamíferos no sul da Amazônia”. O recém doutor, explica que o seu trabalho de doutoramento teve inicio ainda na graduação na Unemat, mas durante os seis anos de pesquisas para o doutorado na Universidade de Lisboa ele utilizou o modelo de morfometria geométrica, o que segundo ele é uma metodologia pouco habitual no Brasil, e que permite basicamente poder avaliar as diferenças morfológicas das espécies.
“O estudo tem uma ligação com a minha monografia defendida na Unemat, a mesma tinha por objetivo avaliar os impactos da fragmentação na dieta de pequenos mamíferos na Amazônia, tivemos resultados surpreendentes e com base em toda uma literatura já descrita previamente pelo professor doutor Manoel dos Santos-Filho, da Unemat, que inclusive foi meu orientador de monografia e mestrado. Agora tentamos desenvolver uma tese de doutoramento que tivesse objetivos semelhantes, mas verificando outra perspectiva”.
No doutorado, o pesquisador avaliou os impactos da fragmentação florestal no fenótipo dos pequenos mamíferos. “Geralmente os trabalhos existentes demonstram diferenças em números dos indivíduos, mas nosso trabalho conseguiu mostrar, claramente, que o aumento do estresse no desenvolvimento das espécies é positivamente correlacionado com a diminuição das áreas. Ou seja, a fragmentação da floresta não altera apenas os padrões de números de indivíduos, mas também aspectos da morfologia. Outros impactos também demonstrados no trabalho, dizem respeito a diferenças significativas morfológicas quando se compara áreas contínuas de floresta e pequenos fragmentos, existe uma diferença clara entre estes dois ambientes, demonstrando que a perda da floresta amazônica tem causado consequências alterando as populações morfologicamente”, explica Welvis.
O estudo de doutorado analisou 143 amostras de espécimens pertencentes à ordem Rodentia (82 ratos-de-espinhos de cauda longa, Proechimys longicaudatus, e 61 ratos de cauda peluda, Necromys lasiurus) e 191 espécimes pertencentes à ordem Didelphimorphia (109 cuícas, Marmosa demerarae, e 82 cuícas da Amazónia, Monodelphis glirina). Todos os animais analisados foram coletados no município de Alta Floresta, em Mato Grosso, em uma das regiões mais impactadas e desmatadas da floresta amazónica, e que resulta em uma paisagem hiper-fragmentada cercada por pastagens e com algumas áreas altamente isoladas.
De acordo com o pesquisador, foi utilizada a abordagem que tem por base a morfometria geométrica, em que foram avaliadas três aplicações distintas desta ferramenta na análise fenotípica da mandíbula das quatro espécies em estudo. A primeira aplicacação diz respeito a componente simétrica, que explica a variação entre os indivíduos, para avaliar a variação populacional no tamanho e na forma da estrutura mandibular entre fragmentos florestais. Outro ponto de análise diz respeito a componente assimétrica, avaliando os níveis de assimetria flutuante, ou seja, da variação intra-individual de estruturas com simetria bilateral, esquerda- direita, permitindo a avaliação dos níveis de perturbação durante o desenvolvimento embrionário e a terceira aplicação estudada diz respeito a integração morfológica e modularidade, avaliando a tendência de diferentes características variarem de forma conjunta e coordenada numa estrutura morfológica.
Welvis explica que é sabido que as alterações provocadas pela fragmentação de habitat têm reflexo nos níveis de abundância, estrutura populacional e ocupação do habitat de indivíduos que enfrentam tais mudanças no seu ambiente. Mas o que os estudos ainda não tinham apontado é até que ponto seria possível detectar alterações morfológicas em nível individual e populacional, particularmente em espécies de pequenos mamíferos Neotropicais.
De acordo com o pesquisador, os resultados deste estudo revelaram que residir em fragmentos pequenos tem causado alterações significativas na forma das mandíbulas dos indivíduos na maioria das espécies analisadas. As distâncias morfométricas entre os grupos são sistematicamente e significativamente maiores quando a comparação é efetuada envolvendo fragmentos pequenos em comparação com fragmentos grandes ou áreas contínuas, quando disponíveis para comparação. Os estudos mostraram ainda essas variações morfológicas indicam elevados níveis de estresse durante o desenvolvimento embrionário desses indivíduos, neste caso, associado ao estresse ambiental inerente às alterações provocadas pela fragmentação do habitat.
A pesquisa demonstrou ainda que em três das quatro espécies analisadas (ratos-de-espinhos de cauda longa, ratos de cauda peluda e cuícas da Amazónia) os animais residentes em pequenos fragmentos apresentaram alterações no padrão esperado de modularidade e integração morfológica da mandídula, o que pode, possivelmente, alterar a funcionalidade morfológica dos indivíduos, evidenciando uma disrupção nos padrões normais.
Segundo o pesquisador, a partir dos resultados obtidos é possível retirar algumas conclusões gerais com implicações para a conservação da biodiversidade desta região da Amazônia. Ele ressalta a necessidade de manutenção de fragmentos de grandes dimensões em que seja possível atuar como repositório dos níveis de diversidade morfológica o mais semelhantes à floresta contínua original possível. “Também é necessária a manutenção de corredores ecológicos, não apenas com árvores nativas, criando fragmentos de conexão, permitindo que populações isoladas se tornem meta-populações conectadas entre fragmentos e áreas contínuas. Isso promoveria a redução destes impactos menos óbvios ao nível individual e populacional de natureza morfológica”,
De uma forma geral, o estudo mostrou que todas espécies em estudo apresentaram variações fenotípicas significativas associadas à redução de habitat observada nos fragmento pequenos.
A informação é da assessoria da Unemat.