Um paciente de 38 anos morreu no Hospital e Pronto-Socorro de Cuiabá por falta de local adequado e equipamentos para realização do procedimento de cardioversão (choques para colocar ritmo no coração). A denúncia é do vice-presidente do Conselho Regional de Medicina, Arlan de Azevedo Ferreira, que gravou um vídeo mostrando o prontuário do paciente, que aponta a falta de local físico para a intervenção, além da ausência de aparelho para ventilação, bomba de infusão e monitor.
Azevedo destaca que não é possível categorizar se a falta do procedimento foi definitiva para a morte, lembrando que existem vários fatores que envolvem salvar um paciente que corre risco de morrer. Porém, lembra ainda que o homem não recebeu o atendimento adequado, eliminando as chances de sobrevivência. No vídeo, uma médica fala sobre a dificuldade de atendimento dentro do PS diante da falta de materiais básicos de trabalho.
Sem se identificar, a mulher relata que o local não está sem condições de fazer entubação, sem anestésicos e comenta que se chegar mais alguém na unidade de saúde correrá o risco de morrer também. O cenário descrito pela médica foi confirmada em denúncias feitas ao Ministério Público apontando a falta de anestésico para realizar cirurgias emergenciais em 4 pacientes na manhã deste domingo (15). O fato resultou em uma reunião emergencial para discutir mais uma vez o assunto entre a diretoria do PS, Defensoria Pública, Promotoria e Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Conforme Azevedo, os pacientes que precisam da intervenção cirúrgicas estavam em estado grave e além do anestésico houve um registro de falta de bisturi elétrico para realização de um procedimento. "Eram pacientes graves, que precisavam de atendimento emergencial".
A aposentada Maria Domingues Rodrigues Mariano, 83, estava entre as pacientes que dependiam do anestésico para a cirurgia. Vítima de traumatismo craniano, conseguiu direito a uma vaga na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) depois que a neta Renata Fabiana Rodrigues Mariano, 28, pediu ajuda à Defensoria Pública.
Maria é cardíaca e bateu a cabeça durante uma queda dentro de casa no dia 7 de maio. Desde então, ocupava um leito comum no PS. Renata revela que em uma semana viu a avó definhar sem um atendimento digno e atenção adequada. "Cheguei na quarta-feira (11) aqui e não tinha médico, nem enfermeiro no setor onde ela estava. Minha avó foi ficando cada dia pior, começou ficar inconsciente e não vi ninguém preocupado em ajudar, em colocar um equipamento nela".
A mulher reclama que os paciente estão todos misturados nas alas, sem indicação da gravidade e que não são respeitados por alguns funcionários, que estão bastantes nervosos com a situação do Pronto-Socorro. "Uma técnica de enfermagem chegou a falar para minha tia que desejava a morte da minha avó", denuncia a Renata.
O descaso e a falta de medicamentos também é relatada pelo vendedor Dornelos Leonardo Silva Costa, 26, que fraturou a perna durante uma partida de futebol no sábado (14) e aguardava deitado em uma maca no corredor, onde outras 15 pacientes dividiam o espaço em macas ou no chão. A maioria é pessoas idosa, com acompanhantes também de idade.
Ele contou que foi informado sobre a necessidade de tomar anti-inflamatório, mas tinha sido medicado somente com analgésico. "Falaram que não tem o remédio".
Preocupado, o vendedor contou que seu caso tinha indicação para cirurgia ortopédica e já tinha sido avisado que existiam outras 213 pessoas na fila para o mesmo procedimento. "Disseram que demora uns 5 meses para conseguir a cirurgia e não posso sair daqui para não perder o lugar na fila".
Dornelos relata que a primeira noite no PS foi triste por ver um senhor com apendicite gritando o tempo todo de dor, sem receber atendimento. "Um rapaz foi até grosseiro com ele, falando que não tinha mais o que ser feito. Ele foi atendido somente hoje (ontem) de manhã e chegou a informação de que ele morreu".
Situação – Estimativa do PS aponta que mais de 130 pessoas estão internadas nos corredores da unidade. Ainda neste domingo (15), após a reunião, começou a transferência dos pacientes para a nova ala do PS, com 42 leitos e 56 acomodações para pessoas em observação. O médico plantonista da Sala Vermelha, Afrânio Araújo, analisava quais pacientes poderiam ser transferidos para a nova ala. No local com indicação para internar 7 ou 8 pacientes, haviam mais de 30 pessoas na tarde de ontem.
O defensor público Márcio Dorileo destacou que a Defensoria está trabalhando em regime de plantão para garantir que os pacientes recebam o atendimento e tenham direito digno à internação. "Por enquanto, estamos resolvendo de forma paliativa".
Liminar – A transferência dos pacientes de Rondonópolis para o PS de Cuiabá, que estava garantida por meio de liminar, foi suspensa pelos Procurador Geral do Estado, Jenz Prochnow Junior e pelo procurador Luiz Otávio Trovo Marques. No sábado (14), eles interpuseram recurso contra a decisão liminar em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público em Rondonópolis.
A liminar da promotoria determinava a transferência de todos os pacientes internados naquela cidade em 48 horas, sem que fossem observados quaisquer requisitos e análise individual das reais necessidades dos pacientes. Para a PGE, a situação poderia agravar ainda mais os problemas na forma de atendimento na saúde da Capital. O Tribunal de Justiça acatou o pedido de suspensão e mencionou na decisão que fosse cumprido o termo de compromisso, que prevê transferência de pacientes com prioridades.
Outro lado – O secretário Municipal de Saúde, Antônio Pires, afirma que os medicamentos foram repostos e ao final da tarde de ontem duas, das 4 cirurgias, haviam sido realizadas. As que faltaram não ocorreram porque a equipe médica avaliava a viabilidade da intervenção cirúrgica ou exames.
Em relação ao paciente que morreu por falta de local adequado e equipamentos para a cardioversão, o secretário afirma que vai apurar a situação. O secretário-adjunto, Euze Carvalho, lembra que todo material tem vida útil e no Pronto-Socorro o intenso uso dos equipamentos faz com que eles estraguem mais rapidamente. Destacou ainda que a SMS havia feito uma grande compra de medicamentos, mas a paralisação dos atendimento no PS de Várzea Grande e nos Hospitais Regionais terminou por consumir os produtos de forma mais rápida que a planejada.