A juíza Ana Paula da Veiga, da 5ª Vara Cível de Cuiabá, negou o pedido de uma paciente que pretendia obrigar uma empresa farmacêutica, sediada no Estado de São Paulo, a fornecer o medicamento fosfoetanolamina sintética, conhecido como “a pílula do câncer”. A mulher alegou que está sem possibilidade de tratamento e sua “única esperança de cura é o uso em conjunto do medicamento experimental”.
No pedido de liminar, a paciente deixa claro que conhece a “inexistência de comprovação da eficácia do uso da substância, bem como de que a mesma não está registrada na Anvisa”. No entanto, ressaltou que em 2016 foi aprovada uma lei que autoriza o medicamento para em pacientes diagnosticados com neoplasia maligna e “que só poderão fazer uso do medicamento por livre escolha”. Para embasar o pedido, a defesa apresentou artigos e publicações sobre a eficácia do medicamento, além de decisões judiciais sobre o tema.
Os argumentos não foram suficientes para convencer a juíza. Ela ressaltou que a Associação Médica Brasileira (AMB) entrou com ação de inconstitucionalidade e o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou por suspender a lei que autoriza o uso da fosfoetanolamina. “Destarte, não há como este juízo emitir ordem judicial determinando à ré que forneça medicamento experimental ao autor, em total descaso à decisão do STF”.
Em novembro do ano passado, o juiz da 2ª Vara Cível de Várzea Grande, André Maurício Lopes Prioli, também negou pedido idêntico feito por uma paciente com câncer de pulmão. A mulher entrou com pedido de reconsideração de decisão que já havia negado o acesso dela ao tratamento com a substância. Ela alegou que o fármaco “não é prejudicial” e não se trata de “fornecimento de ilícito, de objeto impossível ou similar”.
Ao analisar o pedido, o juiz destacou, no entanto, que “não se pode afirmar com o necessário grau de certeza sobre a existência ou inexistência de efeitos positivos e negativos da fosfoetanolamina sintética no tratamento de câncer no ser humano”. Ele afirmou que, a paciente apresentou receita médica indicando o uso da substância por médico ortopedista e traumatologista, “não especialista da área oncológica, de forma que não poderia prescrever medicamento para tratamento da enfermidade que acomete a autora”.
Sintetizada há mais de 20 anos, a fosfoetanolamina foi estudada pelo professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos. Algumas pessoas passaram a usar as cápsulas contendo a substância, produzidas pelo professor, como medicamento contra o câncer.
A pílula gerou polêmica no país, pois vinha sendo distribuída a pacientes oncológicos mesmo sem ter sido testada e comprovada por testes clínicos e sem registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A distribuição foi proibida e diversas pessoas começaram a entrar na Justiça pedindo acesso à substância. Testes clínicos em humanos então começaram a ser realizados em São Paulo para testar a eficácia da droga.
As avaliações foram conduzidas pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Em março do ano passado, o Icesp concluiu pela falta de comprovação da eficácia da substância no combate ao câncer. Segundo a pesquisa, de 73 pacientes com tumores sólidos avançados tratados com a pílula do câncer, apenas um obteve resposta parcial.
Em outubro de 2017, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fosfoetanolamina foi instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo para apurar se houve falhas nos testes clínicos que impediram a liberação da substância. A comissão já realizou seis sessões, nas quais ouviu diversos especialistas. Os parlamentares devem retomar os trabalhos em fevereiro.