“Desde criança eu sabia que era diferente, gostava de vestir roupas da minha irmã, mas a minha família achava que era uma fase”, afirma a modelo Luiza Bauermann, 23, que se tornou a primeira mulher transsexual a conseguir retificar nome e gênero na certidão de nascimento em Sinop.
A jovem conta que durante a adolescência, acreditava que era um homem gay. Mas, com o passar dos anos, chegou ao entendimento de que seu gênero era diferente do qual tinha nascido. Antes de tudo, é importante entender a diferença entre orientação sexual, identidade de gênero e sexo biológico.
A identidade de gênero é a forma como cada pessoa se sente em relação ao gênero masculino e feminino. Já a orientação sexual é como cada pessoa se sente atraída de forma sexual, afetiva e emocional, seja por pessoas do mesmo gênero ou gênero oposto. Já o sexo biológico é o que existe objetivamente: órgãos, hormônios e cromossomos.
“Com 13 anos, achei que fosse um menino gay. Já tinha isso entendido comigo. Mas demorou 7 anos para eu me assumir para a minha família e isso só aconteceu em 2016, quando eu vim morar sozinha em Sinop – minha família é de Marcelândia”, contou.
Assumir a sexualidade para a família foi muito complicado. “Quando criança eu usava as roupas da minha irmã, minha mãe me flagrou várias vezes, então, era uma coisa para qual eles fechavam os olhos, achavam que era uma fase”.
A vivência junto à comunidade LGBTQ+ fez com que ela começasse a vivenciar a arte drag. “Comecei a me montar para as festas e fui me aproximando mais do universo feminino, passei a usar roupas femininas, mas sem mesmo saber que era uma mulher trans e que faria a transição”.
Quando veio o entendimento de que, de fato, era uma mulher trans, Luiza se afastou de algumas pessoas, começou o processo de transição – sem a terapia hormonal. Deixou o cabelo crescer, mudou o guarda roupa e passou por uma grande mudança interna, de autoconhecimento e descobrimento.
O nome Luiza foi escolhido com a ajuda de um amigo. “O nome veio desde quando comecei a me montar de drag, escolhemos o nome curto, que combinava comigo. Sempre achei um nome muito chique”. Ela estava 10 meses sem ver a família e se preparava para voltar.
“Eu ia passar as férias com eles. Já estava na transição, que fiz sem falar com eles. Então, eu estava preocupado como seria a reação. Não poderia chegar lá usando roupas masculinas e escondendo quem eu sou. Uma amiga disse que eu precisava me libertar e foi assim, não quis me esconder”.
Luiza pegou o ônibus rumo à Marcelândia (710 km ao norte). “Fui com roupas femininas e quando cheguei, minha mãe já estava me esperando. Ela não falou nada, agiu como se nada tivesse acontecendo. Mas depois conversamos e me abri. Disse que sempre fui assim e que a minha família disso”.
A aceitação veio com o tempo e ela entende. “Não é facil para a família entender, especialmente para os pais, que o filho que eles conheciam há 18 anos hoje é outra pessoa. Eu consigo entender, mas foi um processo que exigiu paciência até a gente ter a relação de hoje”.
A modelo não teme uma repercussão negativa. “Hoje eu sou uma mulher padrão, muitas vezes passo despercebida. Mas, quero que a sociedade entenda que somos livres. Precisamos nos libertar, ser vistas, nós existimos e merecemos o respeito de todos”.
Dois anos após a transição, Luiza ainda passava por constrangimentos recorrentes à população trans, que é a utilização do nome de batismo nos documentos. “Eu já estava passando por constrangimentos. Estava há dois anos na sociedade como Luiza e ainda precisava lutar para garantir a minha existência”.
O sonho de mudar o nome e gênero nos documentos parecia distante, mas veio mais rápido que o esperado. “Minha amiga Rafaela Rosa Crispin, que já atua na área jurídica me procurou e me ajudou a buscar pelos documentos necessários para a retificação. Após 3 semanas, consegui ter a certidão, um novo CPF e agora vou tirar o RG”.
Todo o processo burocrático foi acompanhado junto à Defensoria Pública de Várzea Grande. A nova certidão foi expedida em 24 de dezembro, véspera de natal. “Hoje sou uma mulher segura, que sei meu papel na sociedade. Somos seres humanos evoluídos, não podemos ter esse tabu”.