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MP de Mato Grosso e SP denunciam suposto esquema de exportação fictícia de grão

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Uma força-tarefa formada por auditores fiscais, policiais civis e promotores de São Paulo e Mato Grosso concluiu que Casas Pernambucanas, Pão de Açúcar, Tigre (tubos e conexões), Suco Del Valle, Adria, Lua Nova (Panco), Ficap, Arc Sul (produtos químicos) e Beraca Sabará (produtos químicos) se beneficiaram de um suposto esquema de exportação fictícia de óleo e farelo de soja -montado por consultorias tributárias- para oferecer às empresas vantagens fiscais. Procuradas pela Folha, algumas das empresas informaram que não sabiam que as exportações eram falsas nem tinham conhecimento de que havia investigação sobre o caso.

A Folha revelou no último domingo que a Receita Federal e a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo vão cobrar dessas empresas, a partir de agosto, pelo menos R$ 2 bilhões em tributos federais e estaduais. Nesse valor, estão incluídos impostos não-recolhidos, multas e juros.
Ao comprar a soja de outro Estado para exportar, a empresa se apropria de um crédito fiscal que dá direito a descontos nos impostos que têm a pagar. No caso do ICMS, o crédito é de 12%. Na Cofins, de 7,6%, e no PIS, de 1,65%.
As empresas citadas nas investigações como beneficiadas pela exportação fictícia são -até o momento- apenas devedoras do fisco. A Polícia Civil abriu inquérito em janeiro deste ano para verificar se houve ou não a participação das empresas beneficiadas com créditos fiscais no suposto esquema de exportação fictícia -se sabiam ou não que parte das operações era falsa.

A reportagem da Folha teve acesso a documentos da força-tarefa que mostram que quatro consultorias venderam às empresas beneficiadas um “pacote tributário” para gerar créditos de ICMS, IPI, PIS e Cofins.
Se a exportação tivesse ocorrido de fato, não haveria ilegalidade. Uma empresa de varejo pode exportar soja desde que isso conste em seu contrato social. Só que, segundo as investigações, as exportações só ocorreram no papel.

Pacote exportador
Relatórios da força-tarefa mostram que as consultorias “vendiam” um modelo de exportação que envolvia empresas fornecedoras de soja, esmagadoras do produto e exportadoras (tradings) -algumas dessas empresas tinham vida curta: nasciam e morriam de acordo com a conveniência do esquema.
Entre as fornecedoras de grãos acusadas de participar do esquema, estão a Centúria, em Rondonópolis (MT), já fechada, e a Santa Cruz, em Cuiabá (MT), de fachada. As empresas esmagadoras do produto são a Rubi, em Osasco, e a Sperafico da Amazônia, em Cuiabá. As tradings -exportadoras dos produtos- são a Axis, em Amparo (SP), e a Carnop (PR).

Para realizar a exportação fictícia, segundo relatórios das investigações, a trading envolvida no esquema parte de uma exportação verdadeira. As notas “reais” (emitidas para uma empresa exportadora de soja para qual a empresa trabalha regularmente) são clonadas a fim de simular a exportação fictícia. Ao cliente (que comprou o pacote da consultoria) são entregues todos os comprovantes que dão direito aos créditos fiscais. Os auditores chegaram a encontrar até duas notas frias a partir de uma verdadeira.
Auditores informam que, para dar mais veracidade à operação e dificultar o trabalho da fiscalização, uma parte das exportações era legal. Isto é, ocorria de fato.

Uma das consultorias acusadas de ter montado esse esquema de exportação fraudulenta é a Master Consultoria Tributária S/C Ltda., como citam relatórios das investigações de fiscais e promotores aos quais a Folha teve acesso. A Master pertence ao advogado Adauto Kiyota, ex-presidente da Federação Paulista de Golfe. Outras consultorias acusadas são a GlobalBank Consulting Ltda., de propriedade de Pedro Paulo Leoni Ramos (ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo Collor, conhecido como PP), e a Lógica Administração de Serviços, de propriedade de Milton Molinari Morete (ex-diretor do INSS no governo Collor).

Notas frias
As investigações da força-tarefa se basearam em notas fiscais frias apreendidas a partir de setembro de 2004 em empresas acusadas de participar do esquema -a Santa Cruz, a Rubi, a Axis, a Centúria, a Canorp e a Sperafico. O valor dessas notas já ultrapassa R$ 1,5 bilhão, segundo informa Mauro Zaque de Jesus, promotor do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado em Mato Grosso.
“É um esquema muito bem montado, estruturado, com capacidade de movimentação financeira gigantesca. É, sem dúvida, um dos maiores esquemas de sonegação que já existiram no país”, afirma Zaque de Jesus.
O que mais chamou a atenção dos fiscais e promotores que investigam a chamada “operação soja” foi: 1) a exportação de derivados de soja não tinha nenhum vínculo com a atividade principal dessas empresas -especialmente as redes varejistas; e 2) a cotação de derivados da soja para a exportação era quase o dobro do preço real da época -indício de operação fraudulenta com preços superfaturados.

” Sob esse esquema se oculta sofisticada engenharia financeira destinada não apenas a gerar créditos de ICMS, IPI, PIS e Cofins. Mas reflexos em termos de redução de Imposto de Renda [IRPJ] como resultado de suposto prejuízo comercial (…) Pelo menos a partir de maio de 2004, a venda de farelo e óleo bruto de soja à empresa exportadora invariavelmente se faz por preço inferior ao da aquisição de grãos”, segundo relatório de janeiro deste ano feito pela Deat (Diretoria Executiva da Administração Tributária) da Secretaria Estadual da Fazenda.

O que também chamou a atenção no esquema dessas exportações foi que o preço do grão chegava a custar mais que o produto beneficiado (farelo e óleo de soja). Com essa operação “deficitária”, as empresas declaravam prejuízos em seus balanços, o que permitia o pagamento de menos Imposto de Renda, segundo a Folha apurou com auditores fiscais.

Economia de impostos
De dezembro de 2003 a outubro de 2004, a Santa Cruz vendeu grão de soja para empresas de três Estados -São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina- no valor de cerca de R$ 512 milhões, o que rendeu créditos só de ICMS de R$ 61,4 milhões, segundo relatório ao qual a Folha teve acesso. Os números saíram de 23.788 notas emitidas pela empresa Santa Cruz nesse período. Em maio, esse valor já superava os R$ 600 milhões.

Entre as milhares de notas apreendidas pela fiscalização, os auditores identificaram que a empresa Arthur Lundgren Tecidos S.A. (Casas Pernambucanas) comprou da Santa Cruz, filial do Distrito Federal, só no dia 24 de junho de 2003, pelo menos 21 mil toneladas de soja por R$ 17,43 milhões em 14 notas fiscais, segundo documentos aos quais a Folha teve acesso. Com essa compra, a rede de lojas obteve uma economia de R$ 2,1 milhões (créditos fiscais) no pagamento de ICMS – em operações feitas em um só dia.

A Companhia Brasileira de Distribuição (Pão de Açúcar) já adquiriu R$ 5,368 milhões em soja, segundo notas fiscais emitidas em quatro dias de 2004, que estão em poder da força-tarefa. Em períodos diversos no ano passado, a Adria comprou R$ 2,07 milhões; a Tigre, R$ 16,7 milhões, e a Suco Del Valle, R$ 1,01 milhão. Procurada pela Folha, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo se recusou a falar com a reportagem por causa do sigilo fiscal.

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