Uma moradora de Sinop foi a segunda pessoa a fazer uma cirurgia para transplante de linfonodo no Brasil. Elizabeth Rezende Almeida, 30 anos, fez o procedimento na Bahia, no Hospital Aliança, em Salvador.
Natural de Nova Canaã do Norte, Elizabeth é portadora de linfedema primário, doença crônica que pode ser hereditária (ou não) e se manifesta pelo acúmulo de líquido no tecido linfático, desde os sete anos de idade.
Com o agravamento do quadro, a partir de 2010, passou a ter dificuldades para usar calçados. Atualmente, ela apresenta uma diferença de cinco centímetros da perna direita para a esquerda, o que a impede de realizar atividades cotidianas, provocando seu afastamento do trabalho desde 2013.
“Tem grandes possibilidades de que vou ter uma melhora maior do que 50%. Eu vi resultado. Embora o Brasil tenha uma rejeição de aceitar novos procedimentos, é uma técnica já implementada nos Estados Unidos. Hoje, eu fiquei muito feliz porque acordei e deu pra ver o ossinho na lateral do tornozelo”, contou.
A cirurgia foi longa, durou cerca de dez horas. Elizabeth foi internada no dia 5 de agosto, foi para o centro cirúrgico às 7h30, e o procedimento ocorreu das 11h às 21h.
“É super demorado. Só tem dois médicos no Brasil que fazem por causa da técnica, são vasos mais finos do que o cabelo. Fiz anestesia geral. Quando eu saí, por volta das 21h30, fiquei num setor em que eles ficam acompanhando. Estava com um cateter na coluna. Sinto bastante coceira nos cortes da perna. O doutor disse que é normal por conta da cicatrização”, revelou.
Elizabeth conta que tem essa condição desde criança e, dos 16 para os 17 anos de idade, o médico que a atendia em Sinop afirmou que provavelmente seria um linfedema. Aos 22 anos, ela fez um exame específico de imagem para confirmar o diagnóstico.
“Eu estava rezando para que não fosse. Fiz pelo SUS no Instituto de Medicina Nuclear de Cuiabá. Infelizmente, foi constatada a ausência de drenagem linfática”, revelou.
Desde então, ela vinha realizando o tratamento conservador, por meio de meias de compressão. Porém, o resultado não foi satisfatório. Para se ter uma ideia, Elizabeth calça no número 37 no pé esquerdo e no pé direito 43/44, por conta do inchaço. “Sinto muita dor ao colocar o pé no chão, lavar uma louça. No pé direito não uso sandália, não uso sapato fechado. O tênis não fecha”, relatou.
No início deste ano, ela sentiu uma nova de fagulha de esperança quando ficou sabendo do caso de Eliane de Oliveira, corretora de imóveis, 52 anos, moradora de Belo Horizonte, que passou pelo transplante de linfonodo dos membros inferiores em agosto de 2021.
“Quando eu li a matéria, notei que ela deixou links de grupos que ela tinha criado (no Facebook) sobre linfedema. Entrei em contato com ela, mandei fotos da minha perna, e ela falou para eu conversar com os doutores Leonardo Avellar e Marcelo Magaldi, de Minas Gerais. Fiz uma teleconsulta com eles e disse que não tinha como pagar pelo procedimento, mas ia brigar na Justiça”, contou Elizabeth.
No início de março, ela foi até o Núcleo de Sinop da Defensoria Pública buscar ajuda. A partir daí, a pedido de Elizabeth, todo o atendimento ocorreu por telefone e WhatsApp. No dia 7, a defensora pública Lidiany de Oliveira Marques ingressou com uma ação de obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência, solicitando a realização do procedimento, em face do município de Sinop e do Estado de Mato Grosso.
Logo em seguida, no dia 11, o juiz Mirko Giannotte deferiu o pedido, determinando a disponibilização imediata, na rede pública ou privada, do “transplante de linfonodos autólogos por técnica de supermicrocirurgia”, conforme apontava o laudo médico.
Ela viajou de avião para Salvador no dia 3 de agosto. “A prefeitura concedeu uma passagem para mim e minha irmã. Quando chegamos em Cuiabá, fizemos um voo particular pelo Ciopaer (Centro Integrado de Operações Aéreas)”, narrou.
No dia 5, o procedimento de Elizabeth foi conduzido pelos neurocirurgiões Leonardo Avellar, coordenador de neurocirurgia do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), em Salvador, e Marcelo Magaldi, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ambos já realizaram, com êxito, a supermicrocirurgia para transplante de linfonodo na capital mineira, que, até então, era o único local do Brasil a sediar esse tipo de cirurgia.
Segundo Magaldi, o linfedema não é um problema estético, pois, apesar da aparência piorar com o tempo, ocorrem problemas muito sérios, como a falta de imunidade daquele membro, ou seja, infecções recorrentes, problemas de pele, entre outros, de forma generalizada.
“Pode ser leve, moderado ou grave. Pode vir de nascença ou se desenvolver durante a vida, espontaneamente, no caso do linfedema primário, ou ser decorrente de uma lesão, principalmente de linfonodos na região inguinal e axilar, virilha, secundária a um tratamento cirúrgico ou de radioterapia”, explicou.
Com a ausência ou deficiência dos linfonodos, a linfa vai se acumulando, principalmente nos membros, como braços e pernas, gerando um inchaço progressivo, que depois se transforma em fibrose, e vai alterando morfologicamente o membro, que pode chegar a dimensões bem maiores.
“Por não ter cura, os pacientes acabam se submetendo a tratamento com fisioterapeuta, drenagem linfática, meia compressiva, e aparelhos que fazem exercícios com os membros. Tudo isso com o intuito de aumentar a drenagem dessa linfa acumulada, mas esse tratamentos, apesar de serem muito bons, não resolvem o problema, pois a pessoa faz isso e daqui um ou dois dias a linfa volta a se acumular naquela região”, pontuou.
Segundo o neurocirurgião, o transplante de linfonodos, apesar de ser um procedimento já muito divulgado e difundido em países de primeiro mundo, ainda é pouco conhecido e utilizado no Brasil.
“O nosso centro realiza esse tipo de cirurgia há pouco mais de um ano com sucesso, e melhora de cerca de 40%, varia de 20% a 80% em cada paciente. Para um paciente que não tinha nenhuma esperança, ou que vive diariamente com o incômodo da doença, já é um ganho muito grande na qualidade de vida. Não é um milagre. A pessoa tem que continuar tomando os cuidados necessários”, destacou Magaldi.
Eliane inclusive foi a Salvador para acompanhar o transplante de Elizabeth – elas se tornaram amigas. “Fui a primeira a fazer essa cirurgia no Brasil, com o doutor Magaldi, e os meus resultados são fantásticos. Já perdi sete quilos dos 12 que inchei. Voltei a vestir até calça jeans 36 e, inclusive, vou levar a calça e vestir para provar que realmente funciona”, afirmou, em tom de brincadeira.
Agora, Elizabeth segue o tratamento pós-operatório na expectativa de apresentar uma melhora significativa. “Depois de um ano vai ter mais resultado. Mas, já estou muito feliz com o procedimento. Não é uma cirurgia esteticamente falando bonita, porque ela deixa cortes. São cortes grandes, mas a maior dor é ter o linfedema”, disse.
Depois de tanta luta, a sensação dela é de que tudo valeu a pena. “Eu gostaria de dizer que as pessoas devem começar a olhar para os seus direitos. Muitas vezes, a gente pensa que o particular é melhor que o público. Temos pessoas boas dentro da Defensoria, médicos excelentes no SUS, que fazem um trabalho maravilhoso”, arrematou.