Todos os meses, cerca de 60 veículos roubados ou furtados em Cuiabá e Várzea Grande têm como destino a Bolívia. A estimativa é feita por autoridades e representa 2 terços dos automóveis e motos que não são recuperados ainda em solo brasileiro. Em todos os casos, os produtos de furto e roubo são trocados por drogas e armas que fazem o caminho inverso e abastecem o comércio de entorpecentes e os assaltos no Estado.
Nos 7 primeiros meses deste ano, a Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos de Veículos Automotores (DERRFVA) registrou 1.937 boletins de ocorrência envolvendo roubos e furtos de carros, caminhões e motos. O número representa avanço de 10,1% em relação ao mesmo período de 2010, que teve 1.758 ocorrências. O trabalho de investigação da Polícia Civil mantém os níveis de recuperação de carros na casa de 70%. Porém, por conta da greve de investigadores e escrivães deflagrada no início deste mês, apenas 94 veículos, entre carros e motos, foram recuperados, queda de mais de 45% no comparativo com os 31 dias de julho do ano passado.
As constantes anistias promovidas pelo governo boliviano, a última realizada no mês de julho, de carros “chutos” ou indocumentados, e a falta de fiscalização no país andino fomentam o comércio paralelo. No último procedimento de legalização dos veículos, enquanto o governo esperava 10 mil veículos, mais de 128 mil pessoas se inscreveram no programa. Destes, o governo brasileiro já identificou 3.926 veículos roubados em solo brasileiro e contrabandeados para lá.
Entre os veículos mais visados pelos criminosos, permanecem as picapes. Mas, segundo o agente do Núcleo de Operações Especiais (NOE), da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Carlos Alberto de Oliveira Santos, é crescente o número de carros de passeio apreendidos que iriam ser trocados na Bolívia. Mais novos e modernos, tais veículos possuem chaves codificadas e apenas com alterações no módulo é que os criminosos conseguem levar. Ou, como lembra o delegado adjunto DERRFVA, Diogo Santana Souza, mediante ameaça à vítima.
Após a prática do crime, no caso de assaltos à noite e de furtos em lugares ermos, os carros são levados imediatamente para a fronteira. Para o delegado, não há tempo a perder entre o crime e a comunicação às autoridades. Explica que no caso dos caminhões, que levam mais tempo para percorrer distâncias, as quadrilhas muitas vezes mantém os motoristas em cativeiros até ter a certeza de que cruzaram a fronteira sem serem abordados pelos policiais, vez que não houve a comunicação do fato.
As quadrilhas especializadas neste tipo de crime utilizam rotas que passam por estradas vicinais, geralmente cruzando as rodovias federais, alvo de maior policiamento, e procuram sempre desviar dos postos de fiscalização da PRF utilizando até como caminho para fuga ruas dos perímetros urbanos dos municípios do interior. Embora não divulgue o número exato, policiais rodoviários já têm, identificadas, dezenas de rotas que cortam todo o Estado. “Os ladrões evitam ao máximo os chamados corredores de fronteira”, aponta Santos.
Para cruzar a divisa entre os 2 países com os veículos, os criminosos utilizam estradas clandestinas, que passam por dentro de fazendas, as chamadas “cabriteiras”. Segundo ele, se antes as abordagens se resumiam a homens dirigindo sozinhos com carros de outros municípios, a ordem hoje é desconfiar de todos. Nas recuperações feitas, os homens da PRF já encontraram mulheres, idosos, e até mesmo famílias no trabalho de entrega dos veículos roubados ao país vizinho.
Na Bolívia, os criminosos procedem a troca com habitantes locais, geralmente por pasta-base de cocaína. Conforme as autoridades brasileiras, San Matías é o município boliviano por onde entra a maior parte dos carros roubados. Após a troca, os atravessadores bolivianos revendem os veículos, por dinheiro, e eles passam a circular em pequenas cidades, contando com a conivência da polícia boliviana. A maioria dos veículos brasileiros permanece no departamento de Santa Cruz.
Somente neste ano, a PRF recuperou 86 veículos que seriam trocados na Bolívia por armas e drogas e estavam circulando em Mato Grosso. No trabalho, a Polícia conta com o apoio de agentes mobilizados nos estados do Distrito Federal, Goiás, Alagoas, São Paulo, Rio Grande do Norte e Minas Gerais, apenas no trabalho de controle dos 750 km de fronteira.
Autoridades bolivianas se defendem das acusações de favorecimento do aumento da criminalidade e alegam que a regularização ocorre apenas por motivos financeiros. Cônsul do país em Mato Grosso, José Luis Fuentes destaca que a intenção do governo boliviano, além de engordar os cofres, é o de acabar com a clandestinidade. Com a anistia, a Impuestos Nacionales (IN), o equivalente a Receita Federal, espera arrecadar mais de R$ 320 milhões.
Segundo Fuentes, uma lei de 2004 proibindo a importação de veículos usados criou um vazio fiscal, que será reparado com a medida. Fuentes destaca que o maior problema dos veículos “chutos” ocorre com aqueles que circulam com placas chilenas, que entram na Bolívia pelo porto chileno de Iquique e são, em grande parte, carros asiáticos.
Mesmo com todos os gestos de boa vontade, as autoridades brasileiras não acreditam que os veículos já identificados como roubados serão devolvidos. Para o delegado Souza, a maior parte dos bolivianos que deu entrada no processo desistirá quando “souber” que seu carro é procurado no Brasil. Mas mesmo com a anistia, a PRF reitera que, caso retornem em solo brasileiro, os veículos serão tratados como aquilo que são, produtos de furto e roubo.