Mato Grosso sofre com o déficit de 50% no efetivo das polícias Militar e Civil. O problema, que se arrasta há anos, atinge os dois principais órgãos de segurança do Estado que, além disso, não dispõem de estrutura das unidades, equipamentos e salários dignos, sem contar com a sobrecarga de trabalho.
Só na PM, segundo dados levantados pelo próprio governo e garantidos por lei, o efetivo necessário para as operações seria de 12 mil. No entanto, o Estado conta com apenas 6,5 mil policiais em atividade. Já na PJC, constitucionalmente o número de servidores teria que ser de 5,5 mil, mas um pouco menos de 3 mil exercem como escrivães, delegados e investigadores na região.
Embora o número seja impactante, policiais militares buscam resolver outras questões mais preocupantes na categoria. Segundo o presidente da Associação dos Policiais Militares (Assof), Wanderson Nunes, o foco no momento é melhorar a estrutura de trabalho dos agentes, antes de discutir o efetivo.
“O efetivo é importante e o aumento dele iria amenizar os problemas nas ruas, mas daqui a dois anos estaríamos discutindo a mesma questão e com as condições ainda mais precárias. Por isso decidimos buscar a melhora da estrutura”.
Entre outros problemas enfrentados pela categoria, está a falta de armamento, equipamentos de segurança, viaturas com bom estado, manutenção dos postos militares, e assim por diante. “São questões básicas que não deveríamos estar reclamando de não ter, porque essa carência é refletido na violência que só aumenta em Mato Grosso”, desabafa.
A falta de estrutura também atinge policiais civis mas, diferente dos militares, a falta de efetivo é uma das principais pautas da classe. Conforme dados levantados em 2003, foi revelado que o Estado necessitaria dos serviços de mais da metade do que exerce hoje. No total, seriam necessários 4 mil investigadores, 1,2 mil escrivães e 400 delegados, porém Mato Grosso conta com apenas 2 mil, 700 e 200, respectivamente.
Se estava ruim no início dos anos 2000, época em que os estudos foram levantados, imagina agora. Os números estimados já não correspondem com a necessidade de profissionais no ramo atualmente, uma vez que a população aumentou. Segundo dados do IBGE, só em Cuiabá havia 483.346 habitantes na época do levantamento, já em 2010 o índice saltou para 551.098, o que corresponde a um aumento de 14%.
“A sobrecarga dos policiais afeta em tudo. Afeta o desempenho, a carga horária intensa que prejudica na conclusão de inquérito, além de não ter delegados suficientes para concluir o inquérito. Este problema de falta de efetivo vem se estendendo há décadas”, disse o presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Siagespoc), Cledson Gonçalves.
E este problema poderia ser resolvido com o empenho do executivo estadual. Mais de 500 concursados no cadastro de reserva estão no aguardo do aval para iniciar a academia de treinamento. A representante da Associação do Cadastro de Reserva do Concurso da PJC, Débora Aparecida Ribeiro, analisa que o número ainda é baixo para suprir as necessidades do órgão, no entanto, amenizaria o problema.
“A segurança no Estado está crítica com mais de 50% a menos no efetivo, por isso, mobilizamos este movimento para tentar um diálogo com o governo para que haja a convocação total dos concursados e ajude a promover, ao menos, a sensação de segurança na população”.
Segundo Débora, o governo mostrou interesse na convocação, no entanto, o que se vê são só promessas até então. “Estamos tentando manter o diálogo com o governo para que esta convocação seja feita. Isso é de interesse não só nosso, mas de toda a população”.
E não é só do déficit do efetivo que a categoria sofre. O presidente d Siagespoc também denuncia a falta de estrutura das unidades prisionais, armamento obsoleto e a falta de preparo dos profissionais, que, além de colocar a vida de outras pessoas em risco, coloca a própria em cheque.
“Não é de hoje que reclamamos sobre os prédios que estão em péssima qualidade. Do armamento ruim que somos obrigados a ter, pois hoje os bandidos estão muito mais equipados do que nós, e também não temos treinamento de reciclagem, porque não há investimento nisso. Nós passamos por treinamento dentro de 90 dias, o que é insuficiente no nosso ponto de vista. Acreditamos que no mínimo seis meses”.
Para Cledson, a segurança pública nunca foi prioridade no governo, independente de gestão. Por isso, os índices cresceram consideravelmente no estender dos anos. “O reflexo deste descaso é a violência que cresce, e não tem como fazer um bom trabalho se você não tiver equipamentos necessários para isso. São condições inadequadas que devem ser melhoradas urgentemente, se não, não há outro caminho a não ser o declínio da segurança”, analisou.
Tanto o representante sindical da Polícia Militar quanto o da Polícia Civil, ressaltou o alto nível de estresse dos profissionais. Segundo o presidente da Assof, Wanderson Nunes, disse que a profissão é estressante por si só, pois há diversos momentos de tensão durante todo o dia de trabalho.
“É estressante demais, porque o PM tem que enfrentar trânsito, atender as ocorrências de crise, ter contato físico com bandido, entrar em confronto armado, o grau de periculosidade é alto demais. E não temos atendimento adequado de acompanhamento psicológico, para que os problemas sejam amenizados”, disse.
O mesmo ocorre com os agentes civis, que ressaltam sobre o acumulo de tarefas que devem ser desempenhadas nas unidades prisionais. “Há delegacias que tem apenas dois escrivães, e isso prejudica na escala de folga. Tem trabalhador que fica sete dias por semana no exercício, porque não tem ninguém para ficar no lugar dele”.
O sociólogo Naldson Ramos explica que a falta de estrutura e acumulo de tarefas pode acarretar sim no nível de stress dos policiais. Ele analisa que os militares correm mais riscos de transtornos, pois tem que enfrentar a violência nas ruas diariamente.
“Toda e qualquer atividade apresentar muitas vezes mais stress. Isso conta com o ambiente de trabalho. Para o PM é mais estressante, o risco de vida de trabalho e a questão de lidar com a violência nas ruas pode causar um transtorno de inquietação. E este trauma pode afetar a saúde da pessoa”.
Naldson revela que há um índice considerável de afastamentos dos agentes, no entanto, este número é incerto em relação ao stress. Ele fala que há outros pontos em destaque, que também são possíveis causadoras, e devem ser averiguados quanto ao profissional. “Nem sempre a maior causadora é a atividade profissional. Por vezes o policial pode ter problemas familiares, algum problema de saúde mental, ter uso de medicamentos. São fatores que contribuem com o stress que acarretar”.
Outro lado
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou que o efetivo de ambos órgãos irá aumentar. Segundo a pasta, um total de 600 policiais militares, 450 investigadores e 156 bombeiros estão em treinamento na academia e a expectativa é que em agosto, todos os profissionais estejam operando nas ruas.
Ainda há intenção sobre o chamamento dos concursados que estão no cadastro de reserva, no entanto, não há previsão sobre quando a convocação será feita. A ação, conforme a secretaria, dependerá do orçamento do executivo.
Quanto ao atendimento aos profissionais, a pasta informou que há equipes profissionalizadas que estão à disposição dos agentes, para acompanhamento e análise de cada. Basta o policial procurar a administração do órgão referente, e se informar sobre o serviço.