Em 1500 os portugueses chegaram ao Brasil e encontraram um continente habitado por índios que, embora exímios conhecedores do território recém-descoberto, desconheciam a escrita. Os lusitanos decidiram então alfabetizá-los, com o duplo propósito: catequizar e o de convertê-los aos costumes e modo de vida europeu. Mais de cinco séculos se passaram, os indígenas – grande maioria no século XVI – foram reduzidos a 0,47% da população do país, e até pouco tempo atrás ainda eram alfabetizados pelos descendentes de estrangeiros. Foi Mato Grosso, 6º estado com o maior número de indígenas do País, o primeiro estado a alterar a prática de educação indígena, que persistia há 500 anos, e a dar oportunidade aos índios a chance de receberem aprendizado acadêmico por quem também é indígena.
A Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) foi pioneira no quadro de instituições de ensino superior do País a formar professores indígenas. Em 2001 iniciaram as aulas das primeiras turmas para formação de professores indígenas no campus da Unemat, em Barra do Bugres. Os três primeiros cursos oferecidos foram ‘Ciências Matemática e da Natureza’; ‘Ciências Sociais’; ‘Artes, Língua e Literatura’, e pensados exclusivamente para atender os diversos povos indígenas que residem no Estado. “Todos os cursos foram e ainda pensado e executado a partir da premissa de que a cultura do povo é a âncora da Educação Escolar Indígena, ou seja, o ponto de partida e de chegada são aspectos culturais de cada povo”, explica o gestor de educação indígena da Unemat, Adailton Alves da Silva. Com o passar dos anos, o curso de licenciatura em Pedagogia Intercultural foi incluído na grade acadêmica.
O pioneirismo em oferecer formação acadêmica ao povo indígena atraiu estudantes de outros estados. Nas três primeiras turmas iniciadas há 15 anos, 180 eram índios de Mato Grosso e 20 pertenciam a grupos indígenas de outros estados. De 2001 a 2016 foram graduados pelo campus da Unemat em Barra do Bugres cerca de 450 indígenas e desses 140 optaram também por especialização em ‘Educação Escolar Indígena’.
“Para ingressar na Unemat, os índios precisam passar pelo nosso processo de seleção, mas muito antes disso eles precisam da aprovação da comunidade indígena. Passado essas duas etapas, eles ficam alojados na Escola Agrícola, e participam das aulas nas dependências do nosso campus”, acrescenta o professor e doutor do Departamento de Matemática, Adailton Alves.
Atualmente há 100 alunos indígenas em formação e outros 120 começarão, em julho, a cursar ‘Licenciatura Intercultural’ e ‘Pedagogia Intercultural’. “O grande desafio lá do início é o mesmo dos dias atuais. Definir e estabelecer uma política pública de formação dos povos indígenas continua sendo o nosso foco de atuação”, explica o gestor de Educação Indígena da Unemat.
Antes de ser o primeiro a ofertar a formação acadêmica aos indígenas em 2001, e de formar a primeira turma de 200 professores indígenas em 2006, Mato Grosso já havia sido também pioneiro ao criar o Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena, em 1995. E ainda se posicionando à frente no tema, a Unemat tem trabalhado para ofertar, além de licenciatura e especialização, um mestrado específico para os povos indígenas na área de Ensino de Ciências e Matemática.
“Todos que passaram pela nossa formação têm retornado às suas aldeias e colocado em prática nas comunidades indígenas o que aprendeu em sala de aula. Isso comprova que nós estamos cumprindo a Constituição de 1988, na qual assegura aos indígenas o direito de ter acesso ao ensino, respeitando suas particularidades interculturais”, declara Adailton Alves.