Com 59,92% dos presos liberados durante as audiências de custódias, Mato Grosso ocupa o quinto lugar no ranking dos estados que mais concedem liberdade a quem é autuado em flagrante por algum tipo de crime. Relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que das 2.398 audiências de custódias realizadas em Cuiabá, única cidade do Estado que conta com o procedimento, 1.437 resultaram em solturas e 961 (40,08%) terminaram com a prisão preventiva dos acusados. Os dados são referentes ao período de 24 de julho de 2015, quando foi instituída a audiência de custódia na Capital, até 15 de maio deste ano.
Recentemente, o caso da soltura do empresário Marcos César Martins Campos, 34, acusado de espancar a esposa Camila Campagnoli Tagliari, 29, gerou discussão entre Ministério Público do Estado e Justiça sobre as concessões de liberdade, apontadas como exageradas pela promotoria. O homem foi solto mediante uso de tornozeleira e quando teve mandado de prisão expedido, deixou de carregar o equipamento e fugiu.
Ele se entregou semana passada, depois de passar mais de um mês foragido.
Para o juiz Murilo Mesquita, a resistência à audiência de custódia é natural por se tratar de um procedimento novo. “É uma conduta nova contrapondo algo que foi feito por anos de maneira totalmente diferente. Muda o conceito do judiciário, a conduta da Polícia Militar, garantindo os direitos de todo cidadão”.
O magistrado pontua ainda que a colocação no ranking é apenas estatística, lembrando que é preciso considerar a situação de cada preso que é levado para a audiência, não sendo possível fazer comparativos em relação a outros estados.
Mesquita destaca que cada audiência trata de forma individualizada o preso, que tem a oportunidade de contar a sua versão dos fatos e denunciar uma eventual agressão. Nesse contato, o juiz tem ainda a oportunidade de confirmar as afirmações, verificar a legalidade do flagrante feito pela Polícia e confirmar a identificação real do acusado. “A maioria dos flagrantes é real, conta com o procedimento correto por parte da Polícia. Isso é importante até mesmo para preservar os policiais, que muitas vezes são acusados injustamente”.
A identificação também é importante, uma vez que presos contumazes costumam mentir a identidade, dando nomes falsos. Durante as audiências, é feita identificação no local, por meio de papiloscopista.
Alagoas lidera a lista com 78,8%
O balanço do Conselho Nacional de Justiça aponta que em todo o Brasil foram realizadas 81.439 audiências de custódia desde a implantação do procedimento nos 23 estados e Distrito Federal. Destas, 43.925 (52,52%) resultaram em prisão preventiva e 37.514 presos foram colocados em liberdade.
Alagoas registra o maior índice de soltura com 78,8% dos casos e o Rio Grande do Sul tem o percentual mais baixo, com 15,34%. O segundo lugar fica com a Bahia (68,21%); seguido do Pará (65,92%) e Acre (62,39%).
Como muitos presos necessitam de atendimento social e ou assistencial, o magistrado também cumpre o papel de fazer o encaminhamento aos setores necessários. No país, 9.272 (11,09%) prisões resultaram nesses encaminhamentos. Em Mato Grosso, 45,87% dos presos contaram com esse tipo de serviço também.
Os juízes Murilo Mesquita e Jorge Alexandre Martins Ferreira lembram que muitos crimes são cometidos em virtude da desestrutura familiar e diante da ausência do poder público em áreas de vulnerabilidade.
Citam que a maioria dos casos tem ligação com o uso de drogas, desde um pequeno furto para manter o vício, até uma violência cometida dentro do seio familiar, em momento de consumo intenso. Situações como essas não são resolvidas com cadeia, mas com assistência à saúde e amparo social para buscar a recuperação dessa pessoa. Para eles, inserir todos dentro do presídio cria um problema ainda maior.
Magistrado avalia vários pontos
Durante a audiência de custódia, o juiz analisa vários pontos com o intuito de cumprir a legislação, uma vez que nem todo crime cometido tem previsão legal para manutenção da prisão.
Também responsável pelas audiências de custódia, o juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira pontua que a audiência é necessária para verificar se o crime é grave, cometido com emprego de violência, se trata-se de réu primário e quais são os antecedentes.
Se identificada a necessidade da segregação da pessoa, o flagrante é convertido em prisão preventiva, como ocorreu com J.W.E.V. na tarde de sexta-feira (3). Ele foi autuado por tentativa de roubo e reconhecido por três vítimas. Perante o juiz, o acusado alegou inocência e não saber o porquê da prisão. A versão não foi suficiente para livrá-lo e ele foi mantido preso.
O juiz Murilo Mesquita, que presidiu a audiência de custódia, destacou que além da palavra do preso, os autos também são analisados e considerados para embasar a decisão judicial. Lembrando que esse primeiro contato pode evitar injustiças, como manter um inocente preso, ou quem não tenha sido autuado em flagrante.
“Nesse caso específico, ele foi reconhecido pelas vítimas, embora seja réu primário. Então, temos que considerar o conjunto de provas e fatos. Não existe uma fórmula matemática, a análise é feita caso a caso”.
O advogado criminalista Marciano Xavier é a favor da audiência de custódia e vê como benéfico o contato do preso com o juiz, antes de um possível encaminhamento para a prisão. “Não são todos que ganham o direito de responder ao processo em liberdade. O caso que realmente é grave há o encaminhamento para a prisão. Mas não tem porque manter todo mundo preso, a lei não prevê isso”.