Nos crimes de natureza sexual, rotineiramente praticados às escondidas, a palavra da vítima tem relevância especial, principalmente quando coerente e em harmonia com os demais elementos de prova. Esse ponto de vista defendido pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso culminou na manutenção de sentença proferida em Primeira Instância em face de um condenado a pena de 15 anos de reclusão e um mês e 28 dias de detenção, em regime inicial fechado, pelos crimes de estupro e ameaça em continuidade delitiva (Apelação nº 134298/2008).
No recurso, o apelante buscou sua absolvição defendendo a não comprovação da materialidade e autoria do crime de ameaça, bem como a não configuração do estupro, ao argumento de que as relações sexuais mantidas com sua enteada teriam ocorrido de forma livre e espontânea, inexistindo qualquer tipo de constrangimento contra a ofendida. Alternativamente, pugnou que fosse afastada a causa de aumento de pena pela continuidade delitiva ou sua aplicação em seu patamar mínimo e, ainda, fosse-lhe conferido o direito de apelar em liberdade. Consta da denúncia que na qualidade de padrasto e prevalecendo-se das relações domésticas de coabitação, por diversas vezes, aproveitando-se da ausência de sua companheira na residência, constrangeu a vítima à conjunção carnal, mediante violência e grave ameaças. A vítima era virgem quando foi violentada pela primeira vez. Além disso, o apelante também vinha ameaçando a própria companheira, prometendo causar-lhe mal grave, inclusive com ameaças de morte, caso ela o abandonasse.
Para o relator do recurso, desembargador Juvenal Pereira da Silva, a materialidade delitiva do crime de estupro está consolidada pelo relatório de exame de corpo de delito e pela robusta e uníssona prova oral coligida aos autos. “De igual modo, a autoria sobressai incontroversa, encontrando-se demonstrada principalmente pelos depoimentos do próprio apelante e da vítima”, assinalou. O recorrente, tanto na fase policial quanto em juízo, confirmou que mantinha relações sexuais com a enteada, alegando que eram consentidas. Contudo, o magistrado destacou que a vítima descreveu os fatos, narrando-os de modo coerente e verossímil em ambas as fases processuais e revelou que sofreu abusos desde os 14 aos. Além disso, os depoimentos da mãe da vítima mostraram-se em total sintonia com o relato dela.
“A pretensão da defesa de desqualificar as provas produzidas nos autos pela solteira versão apresentada pelo recorrente não merece prosperar, encontrando a condenação sólido fundamento nas provas erigidas ao longo da instrução”, finalizou o magistrado em seu voto. A decisão foi em conformidade com o parecer ministerial. Acompanharam voto do relator a juíza substituta de Segundo Grau Graciema Ribeiro de Caravellas (revisor) e o desembargador Rui Ramos Ribeiro (vogal).