Dos 1.015 advogados denunciados este ano no Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), apenas 5,8% foram punidos com suspensão preventiva. A maioria deles já voltou a exercer a profissão. É o caso dos advogados presos durante a operação “Asafe”, em maio, acusados de participação num esquema de venda de sentenças no Poder Judiciário.
Célia Cury, Alcenor Alves (ex-prefeito de Alto Paraguai), Max Weyzer Mendonça (que seria um dos principais lobistas no esquema), Alessandro Jacarandá (sócio de Célia Cury), Rodrigo Vieira Komochena e Santos de Souza Ribeiro, voltaram a atuar em setembro passado.
O presidente do Tribunal de Ética, Ivo Matias, informou que, mesmo com o retorno à Ordem, o processo disciplinar contra os acusados ainda está em andamento e eles podem receber uma punição mais severa. “A punição pode chegar a 1 ano de suspensão, porque ofenderam e provocaram um desgaste à profissão de forma grave. Cabe ao relator a dosagem da pena”.
Além deles, outros 53 profissionais receberam como punição a suspensão preventiva. A maioria por “locupletação ilícita” em ações trabalhistas, quando o advogado recebe os direitos, mas não repassa o valor ao cliente. “Além de seus honorários, o advogado pega o restante do valor e não repassa ao cliente”.
Segundo Matias, esta prática vem aumentando no Estado e é uma das grandes preocupações da OAB. “Como o Estado cresceu e as relações trabalhistas também, tivemos mais ações e, consequentemente, aumentou o número de advogados praticando estes atos ilícitos”.
Além da suspensão, o profissional que cometer esta infração responde a um processo disciplinar e pode ter a pena prorrogável até pagar o valor devido ao cliente. “É uma forma que a OAB encontrou para fazer com que o advogado preste contas ao cliente”.
O restante das denúncias refere-se a infrações consideradas menos graves, como reter processos abusivamente, deixar de comparecer a audiências e deixar de fazer recursos. A maioria delas é feita por clientes, que se sentem lesados pela atitude de seus defensores. Há também casos que são denunciados por colegas de profissão e até mesmo pelo Judiciário, no caso de retenção de processos num prazo maior do que o permitido. “Isso ocorre quando o advogado pega um processo para se inteirar e não devolve no prazo estipulado. Desta forma, causa prejuízos à outra parte e ao andamento processual”.
Inadimplência – Entre as 1.015 denúncias, um grande número foi apresentado pela própria Ordem, contra advogados que estão inadimplentes com a anuidade no período de 2005 a 2009, o que também é considerada uma falta ética.
Apesar do grande número de processos abertos este ano pelo Tribunal de Ética e Disciplina, a maioria ainda não foi julgada. Um estoque de 2,8 mil ações estão tramitando, aguardando decisão. Matias explica que o Tribunal é formado por 10 turmas, com 5 advogados cada, e o trabalho é voluntário. Desta forma, não há um prazo limite para que as denúncias sejam julgadas. “Temos que seguir os trâmites legais e, como o trabalho é voluntário, depende da disponibilidade das turmas”.
Em 2010, 331 foram julgados, destes, 234 pelo Tribunal e 97 pelo Conselho, em grau de recurso. As punições foram desde advertências até censura. A primeira é aplicada a advogados que cometem uma infração ética pela primeira vez. Eles recebem um ofício com a advertência, mas a punição não fica registrada no histórico do mesmo.
Já a censura é considerada mais severa. “São casos de advogados reincidentes, e a punição fica no registro do mesmo para o resto da vida”.
Das 1.015 denúncias apresentadas este ano, 318 foram arquivadas e 138 foram consideradas “feitos não especificados”, quando o denunciante não apresenta provas e, depois do advogado ser ouvido, o caso é arquivado por falta de materialidade.
Exclusões – A exclusão da Ordem, segundo Ivo Matias, só ocorre por decisão do Conselho Estadual, que é formado por 28 conselheiros titulares e 16 suplentes. É o caso de Edésio Ribeiro Neto, o “Binho”, acusado de liderar uma organização criminosa ligada ao tráfico internacional de drogas.
Ele teve um mandado de prisão decretado pela Justiça em setembro 2009, durante a operação “Maranello”, mas não foi localizado. Desde então, é considerado foragido.
De acordo com investigações da Polícia Federal, ele fazia a articulação da quadrilha e a distribuição dos lucros entre os “sócios”. Ele também era o responsável por arregimentar financiadores e administrar e distribuir a cocaína vinda da Bolívia. Além dele, outras 34 pessoas, entre policiais civis e militares, advogados e empresários do ramo automobilístico em Cuiabá, foram indiciados.
Segundo o presidente do Tribunal de Ética, “Binho” não compareceu em nenhuma audiência da OAB. A suspeita é que ele esteja escondido na Bolívia. “O processo disciplinar contra ele correu à revelia. Temos um artigo no Código de Ética que trata da inidoneidade para o exercício da profissão, que é o caso de Edésio. Ele responde a processo criminal e, desta forma, é considerado inidôneo para exercer a advocacia”.
Caso semelhante é do advogado Humberto Nanaka, de Nova Mutum. Ele foi acusado de falsificar procurações para entrar com ações contra o Banco do Brasil, mas foi descoberto. “Ele responde a um processo criminal e, logo, se enquadra no critério da inidoneidade”.
Outro lado – O advogado Alessandro Jacarandá não foi encontrado e não retornou as ligações. No escritório de Célia Cury, a reportagem foi informada que ela não estava, mas que seria avisada da ligação. Os outros advogados citados não foram encontrados nos telefones fornecidos pela OAB, seccional do Mato Grosso.