Mais de 750 homens das Polícias Civil e Militar estão fora da atividade-fim das corporações. Lotados em órgãos como o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ/MT), Casa Militar e Secretaria Extraordinária de Projetos para a Copa 2014 (Secopa), desfalcam em cerca de 10% o trabalho de investigação e repressão de crimes no Estado. Mantida a atual relação da PM de policial por habitante, cerca de 1 para 430, o contingente afastado seria capaz de policiar uma cidade do porte de Rondonópolis (212 km ao sul da Capital), a terceira maior de Mato Grosso. Só nos 3 órgãos citados estão presentes mais de 130 servidores. Na opinião de um analista de segurança, que prefere não ser identificado, são 2 os prejuízos causados, financeiro, uma vez que o trabalho da maior parte destes policiais nos órgãos, de pouca complexidade, seria facilmente suprida por vigilantes privados, e na segurança da população.
Explica que enquanto um policial militar, para ir às ruas, passa por curso de alta complexidade, com cerca de 1 ano de duração e foco voltado para uma postura proativa, de combate ao crime, 1 vigilante é bem treinado após 30 dias de aulas voltadas para uma atitude passiva, em espaço delimitado. "Quando se retém um policial treinado fazendo a segurança de um prédio, ao menos 400 pessoas ficam privadas de ter mais segurança". Nem mesmo a justificativa de que é necessário homens das Polícias para proteger autoridades, como juízes, secretários e deputados, convence o analista. "O curso de segurança pessoal, voltado para a proteção daquilo que chamamos de dignidade ainda é menor do que o gasto que existe no treinamento dos praças, agentes e investigadores".
A lotação de tais servidores nos tribunais e órgãos faz parte da legislação de tais instituições. À PM resta apenas aceitar os pedidos e fazer a cessão dos policiais. "É um verdadeiro desperdício de dinheiro público em detrimento à segurança da sociedade. Há alguns anos, a situação era ainda pior. Várias destas repartições funcionavam como verdadeiros ‘cabides de emprego". Um policial deixava a academia e já era lotado nestes lugares", conta o presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM de Mato Grosso, cabo Gervaldo de Pinho. Embora não concorde com a iniciativa, pontua que a situação está dentro da legalidade e que os problemas anteriormente notados foram minimizados após constantes inspeções da entidade. Confessa que a situação causa desconforto em policiais e, é claro, prejudica toda a sociedade.
Mesma opinião tem o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de Mato Grosso (Sindepo/MT), Dirceu Vicente Lino. Para ele, nada justifica a retirada de policiais da atividade-fim para os serviços nos órgãos. "Eles até têm uma boa explicação para isso. Mas nada muda minha convicção de que lugar de policial é na rua servindo a sociedade". Ele mostra-se preocupado com o aumento na cessão de servidores da Polícia Civil para este tipo de trabalho. "Antes era uma prática comum na PM e agora estamos vivenciando isso entre delegados, investigadores e escrivães".
O presidente ressalta que as transferências já são consideradas um vício grave dentro do Estado. "Em todos os órgãos que você vai há um PM montando guarda, o que não é serviço da Polícia". Dirceu conta que já houve até um caso de um policial que prestava serviços em Goiás. Com o desfalque, cotidianamente se verificam casos de crimes que ocorrem em lugares onde falta efetivo e sobram reclamações. No município de São Félix do Xingu (1.200 km a nordeste da Capital), a população está aterrorizada desde o último dia 2, quando homens sequestraram familiares de 3 funcionários do banco da cidade para praticar o assalto. No município, com aproximadamente 5 mil habitantes, não há delegado e a segurança pública é feita por 3 policiais militares e 1 investigador. Na região, composta por 11 municípios, trabalham apenas 3 delegados.
Um policial militar do interior, que prefere não ser identificado, simboliza a situação. "Muitas vezes eu chego em casa e mal tiro a farda sou chamado por meus colegas para apoiar alguma ocorrência. A única coisa boa é que nem gasto a roupa", ironiza. De acordo com a coordenadoria militar do TJ/MT, o trabalho realizado é um complemento daquilo que é feito nas ruas. Os policiais são responsáveis pela guarda dos prédios, servidores e juízes, além dos processos, alguns deles milionários.
O trabalho, previsto na legislação, se estende a todas as comarcas do Estado. O coordenador, coronel Raimundo Francisco de Souza, defende a manutenção de militares nestas atividades. Para ele, a proteção das
instituições do Estado é também um dever dos operadores da Segurança Pública. "Juízes, que trabalham nos fóruns, por exemplo, proferem decisões que agradam uns e desagradam outros. Garantindo a integridade deles, estamos assegurando a manutenção do estado de direito".
O coronel pontua que a contratação de uma empresa de segurança privada, como defendem especialistas, não resolveria o problema. "Nosso compromisso é com a sociedade e o deles não. Vemos nas empresas que usam este tipo de proteção uma troca constante de vigilantes, o que, no caso das nossas instituições, passaria a imagem de falta de compromisso". Como exemplo, cita que a prática é comum em todos os estados e, inclusive, no governo federal. A segurança da presidente da República, salienta, é feita por agentes da Polícia Federal e o mesmo ocorre com ministros do Supremo Tribunal Federal.
Parte do contingente cedido pela PM faz parte de unidades especiais de segurança pública como o Centro Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer) e o Grupo Especial de Segurança de Fronteira (Gefron). "É quase como um cobertor curto. Se cobre estas unidades e deixa a população sem estes policiais nas ruas", pontua o especialista em segurança. O problema teria sido minimizado se o contingente das duas Polícias do Estado acompanhasse o crescimento da população. Ao contrário, o que se viu, foi uma redução nas fileiras provocada por baixas, pedidos de exoneração e aposentadorias. Há cerca de 10 anos, o contingente era equivalente ao de Goiás. Hoje, é de menos da metade. Enquanto Mato Grosso tem cerca de 6 mil policiais, o estado vizinho tem quase 16 mil.
Outro lado
A Diretoria da Polícia Judiciária Civil esclarece que os servidores cedidos para outros órgãos estão atuando em defesa dos interesses da Instituição e da sociedade. Para o delegado geral, Paulo Rubens Vilela, os policiais estão em pontos estratégicos, necessários para andamento do trabalho administrativo da Polícia Civil. Isso reflete diretamente na atividade-fim, a exemplo dos policiais que atuam no Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciosp), no atendimento de ocorrências, denúncias e auxílio com informações e checagens de pessoas, placas e veículos aos policiais que estão na rua, além do despacho de ocorrências.
O mesmo acontece com os policiais que estão no Ciopaer, Secretaria de Segurança Pública, Gestão de Pessoas -no controle e atualização da vida funcional dos policiais e folha de pagamento Politec e Secopa. Todos estão desenvolvendo trabalhos ligados à Segurança Pública. O comandante geral da PM, coronel Osmar Lino Farias foi procurado mas não atendeu a reportagem. De acordo com a assessoria, Farias está no interior do estado, participando da inauguração de bases e unidades da PM.