A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal determinou, em decisão liminar assinada em 5 de abril, que o estado de Mato Grosso adote as medidas necessárias para que os cargos de gestão das escolas localizadas em territórios quilombolas sejam preenchidos por candidatos remanescentes quilombolas, conforme prevê a legislação sobre comunidades tradicionais. Segundo o MPF, o atual gestor da escola estadual Maria de Arruda Muller, situada na comunidade Abolição, no município de Santo Antônio de Leverger, não é quilombola, não se candidatou para a vaga escola e não apresentou carta de recomendação da comunidade local.
Segundo o MPF, a decisão busca garantir a aplicação da legislação federal e internacional que assegura à população quilombola o direito à educação diferenciada e à participação ativa na condução das instituições de ensino que atendem suas comunidades. “O ensino ministrado com respeito à própria cultura representa um ato que ultrapassa os limites de uma simples concretização do direito fundamental à educação. Representa, a bem da verdade, uma forma de empoderamento do grupo etnicamente diferenciado, sobrelevando-se, portanto, sua autonomia”, afirmou o procurador da República Ricardo Pael, responsável pelo caso.
A ação foi ajuizada em 3 de abril, após denúncia apresentada por representantes da comunidade quilombola Abolição. Eles relataram que a designação do novo gestor da Escola Estadual Maria de Arruda Muller, situada no quilombo, foi realizada sem consulta prévia à comunidade e desconsiderando critérios de pertencimento étnico e cultural. O antigo diretor da escola, remanescente quilombola, foi impedido de participar do processo seletivo por conta de regra no edital da secretaria estadual de Educação (Seduc-MT) que veda recondução ao cargo na mesma unidade escolar, mesmo que esse seja o único candidato da comunidade.
Para o MPF, a regra de não recondução, prevista em normativas da Seduc-MT, deve ser interpretada em conformidade com a Resolução n.º 8/2012 do Conselho Nacional de Educação, com o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), com a Lei Federal nº 9.394/96 e com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O que estiver previsto nessa legislação federal e internacional deve ser aplicado com prioridade sobre as normas estaduais e garantem o direito à participação efetiva dos povos tradicionais na formulação e execução de políticas que os afetam diretamente.
Segundo Pael, apesar de sua longa trajetória de luta por território e cultura, as comunidades quilombolas ainda enfrentam extrema vulnerabilidade e a constante negação de direitos garantidos pela Constituição. “É a educação, pois, meio fundamental de acesso a conhecimentos que possibilitam o exercício da cidadania plena, constituindo, por isso, condição essencial para que os povos tradicionais possam estabelecer relações mais simétricas com toda a sociedade”, acrescentou o procurador na ação.
A liminar determina que o estado de Mato Grosso, por meio da Seduc, interprete as normas estaduais sob a determinação das normas federais e internacionais, de forma a permitir a recondução de gestores quilombolas quando não houver outros candidatos da comunidade interessados e habilitados ao cargo. Deve, ainda, em 15 dias, reavaliar a situação da escola Maria de Arruda Muller, reconsiderando a inscrição do candidato quilombola, e, no mesmo prazo, consultar a comunidade quilombola Abolição sobre a designação do diretor da unidade escolar.
O estado do Mato Grosso deve se abster de praticar atos que contrariem a interpretação que dá preferência a candidatos quilombolas e, no caso de descumprimento da decisão, deverá pagar multa diária no valor de R$ 2 mil. Além dos pedidos já deferidos na decisão liminar, o MPF requer, ao fim da ação, que o estado do Mato Grosso seja condenado a editar normas estaduais que assegurem a gestão escolar quilombola, conforme as normas citadas, e a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão.
Receba em seu WhatsApp informações publicadas em Só Notícias. Clique aqui.