A demora na fila do banco, apesar do incômodo causado ao cliente, não é capaz de atingir a dignidade da pessoa humana numa perspectiva de dano moral, tendo em vista que não produz – a não ser que se trate de período de tempo muito grande – uma dor íntima capaz de justificar uma condenação dessa natureza. Com esse entendimento, a Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais de Mato Grosso deu provimento ao recurso interposto pelo Banco Bradesco e julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais de um homem que aguardou 57 minutos na fila do banco para ser atendido.
De acordo com a relatora do recurso, juíza Maria Aparecida Ribeiro, o descumprimento da Lei Municipal 4.069/01, que dispõe sobre o limite de tempo para atendimento ao cliente nas instituições financeiras não implica, necessariamente, na ocorrência de dano com indenização em benefício do consumidor.
O artigo 5º da Lei Municipal diz que, em caso de descumprimento, os bancos estão sujeitos às seguintes sanções: advertência; multa de 5 mil Unidades Fiscais de Referência (UFIRs) na primeira reincidência; e duplicação do valor da multa, em caso de nova reincidência. No caso sob análise, o cliente havia obtido, no Juizado Especial, o direito de receber R$ 5 mil devido ao dano moral que alegou ter sofrido.
Inconformado com a decisão proferida em âmbito de Juizado Especial, o Bradesco interpôs, com sucesso, recurso junto às Turmas Recursais. No mérito, alegou inexistência de dano moral visto que o reclamante não comprovou a repercussão do prejuízo moral alegado. Afirmou ainda que a instituição financeira disponibiliza outros tipos de canais de atendimento – além dos caixas – que permitem ao cliente agir com total autonomia na consulta de saldo, emissão de extratos, realização de transferências, pagamentos de tributos, entre outros.
Para a juíza Maria Aparecida Ribeiro, o fato de o recorrido ter permanecido por 57 minutos de espera na fila da instituição financeira não caracteriza o dano moral buscado. A magistrada explicou que a espera na fila, por mais incômodo que seja, não pode ser considerada como lesão aos direitos personalíssimos do ser humano, até porque para que se caracterizasse a existência do dano moral seria necessário, pelo menos, a prova da intensidade dos prejuízos sofridos em decorrência do tempo de espera na fila. “Não há nos autos qualquer prova no sentido de confortar a pretensão do recorrido, até porque não foi juntado nenhum documento nesse sentido e nem tampouco houve produção de prova testemunhal nessa direção”, acrescentou.
Em seu relatório, a juíza deu destaque à obra ‘O imoral nas indenizações por dano moral’, do jurista baiano J.J. Calmon de Passos, que assinala que “a possibilidade, inclusive, de retirarmos proveitos financeiros dessa nossa dor oculta, fez-nos atores excepcionais e meliantes extremamente hábeis, quer como vítimas, quer como advogados ou magistrados. Para se ressarcir esses danos, deveríamos ter ao menos a decência ou a cautela de exigir a prova da efetiva dor do beneficiário, desocultando-a (…). Precisamos refletir seriamente sobre que relação traduzível em dinheiro há entre a ofensa e a honra e as pessoas do ofensor e do ofendido”.
A relatora do recurso disse ainda que os julgadores precisam ter bom senso e razoabilidade na apreciação dos pedidos de dano moral, “visto que é perceptível a indústria do dano moral estabelecido no meio jurídico. Em 100 ações propostas nos juizados especiais, 99 referem-se a danos morais”