Vinte e dois reeducandos da comarca de Tangará da Serra, condenados ao regime semi-aberto e com baixo nível de escolaridade, agora têm a oportunidade de arrumar trabalho na zona rural do município. Como medida de reinserção social, a juíza Wandinelma Santos, titular da 1ª Vara Criminal, permitiu que eles cumpram a pena em regime domiciliar, na propriedade rural onde estiverem trabalhando. A decisão foi tomada no final de junho (processo nº. 88/2006) e todos os detentos já informaram seus respectivos endereços. Tangará da Serra está localizada a 239 km a Médio-Norte de Cuiabá
“Na condição em que eles se encontravam, só ficava o caráter punitivo e não pedagógico. Um dos principais aspectos da pena, o caráter ressocializador, não existia. É melhor mantê-los empregados no campo, com uma vaga no mercado de trabalho, do que ociosos durante o dia na cidade. Eu não vou tirar o trabalho deles, pois na cidade é quase impossível eles arrumarem emprego”, conta a magistrada.
A juíza explica que em Mato Grosso só existe uma unidade prisional destinada ao acolhimento de reeducando em cumprimento de pena em regime semi-aberto (Agrovila das Palmeiras, em Santo Antônio do Leverger). Nas comarcas do interior, é praxe que o reeducando se recolha na cadeia pública para o pernoite.
Contudo, ela diz que nas comarcas com economia baseada no agronegócio, como é o caso de Tangará, existe uma particularidade: o reeducando, na sua imensa maioria, não tem escolaridade nem capacitação profissional para conseguir emprego na área urbana. “Desta forma, com muita sorte, quando conseguem uma colocação, é só na zona rural, como ‘braçal’ ou ‘serviços gerais’, o que o impede de se recolher à cadeia todas as noites”, observa.
Na comarca, a juíza adotou a prática de realizar audiências quando o reeducando ingressa em regime semi-aberto para adverti-lo de maneira eficaz. “E nestas audiências é que surge a grande polêmica: permitir que o reeducando continue trabalhando nas fazendas e não pernoite na cadeia? Não autorizarmos o trabalho nessas condições e determinarmos que o reeducando permaneça ocioso o dia todo na cidade e se recolha à noite na Cadeia?”, questionava-se a magistrada.
Para tomar a decisão de desobrigar os detentos a dormir no Centro de Ressocialização, a juíza Wandinelma Santos levou em consideração o fato de que o trabalho é fator preponderante para a recuperação e inserção social do reeducando. Além disso, existe grande preconceito no meio urbano contra o egresso do sistema penitenciário, o que dificulta possíveis contratações. Já na zona rural é mais fácil para os reeducandos encontrarem emprego, evitando, assim, a reincidência.
“Diante do índice imenso de desemprego no país e da ineficácia do Estado em capacitar e absorver esta mão de obra, é quase um milagre que consiga uma vaga no mercado de trabalho (…) Não há na cidade mercado de trabalho para os reeducandos do sistema prisional. Mantê-lo na cidade em liberdade durante o dia, na ociosidade, é criar condições para reincidência. O simples pernoite na cadeia é desprovido de qualquer efeito pedagógico eficaz”, ressalta a magistrada, que assinala ainda que o regime semi-aberto deve ser cumprido em colônia agrícola ou industrial.
Interdição – Na mesma decisão, a juíza Wandinelma dos Santos determinou interdição total das dependências da Cadeia Pública que abriga os reeducandos, inclusive os que cumprem pena no regime semi-aberto, até que se construa uma nova unidade ou até que sejam cumpridas as determinações de uma outra sentença que havia interditado parcialmente o prédio, em julho de 2006. Apesar da interdição parcial, até hoje nada foi feito para melhorar as condições do Centro de Ressocialização.
O muro da cadeia, ao longo da área destinada ao banho de sol e a área reservada para os detentos que cumprem pena no regime semi-aberto, não possui altura padrão. Em determinadas partes, além da falta de segurança, ele é perfeitamente escalável por qualquer pessoa de altura mediana. Os quartos, por exemplo, possuem rachaduras na parede e fiação elétrica exposta, além de ficar fora do campo de visão da guarita.
“De fato, as instalações que abrigam os reeducandos que cumprem pena em regime semi-aberto estão em estado lastimável de insalubridade, trazendo, ainda, risco pessoal aos reeducandos, tanto pela precariedade da fiação elétrica – um emaranhado de gambiarras, que, a qualquer momento podem desencadear um incêndio – quanto pela ausência de segurança na porta de entrada da cela respectiva. Esta porta é uma grade de madeira deteriorada”, expõe a magistrada.
A juíza diz que manter esses reeducandos nesse local insalubre para passar à sociedade a falsa impressão de que o Estado está cumprindo seu papel de proporcionar-lhe segurança é hipocrisia que não pode ser avalizada pelo Poder Judiciário. Conforme a magistrada, a transmissão de doenças, principalmente as de pele, é constante entre os detentos.
Por enquanto, o Centro de Ressocialização de Tangará da Serra não pode receber qualquer reeducando até que sejam cumpridas as determinações da decisão.