Por entender que a situação da saúde em Mato Grosso está longe de ser uma situação excepcional ou momentânea de dificuldade e que cabe ao Poder Executivo resolver o problema, a Justiça de Juína indeferiu pedido do Ministério Público do Estado (MPE) e apelou para as Forças Armadas atenderem situação emergencial existente no município. O MPE pleiteava os bloqueios da conta do Estado para garantir atendimento de neurocirurgia e Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica a uma criança de dois anos portadora de hidrocefalia.
Baseado na Lei Complementar 97/99, que prevê o emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, o juiz determinou que oficie o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) para, "se o entender, tomar as medidas que lhe são ofertadas pelo art. 15, § 1º, da Lei Complementar 97/99, no sentido de solicitar à Presidência da República o auxílio das Forças Armadas para atendimento desta situação emergencial".
Na decisão, o juiz da Segunda Vara, Gabriel da Silveira Matos, descreve que tentou todos os meios legais para garantir atendimento ao menino, que foi atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até emissão de laudo médico, em 2 de junho de 2011, requisitando a internação e o procedimento cirúrgico. O atendimento parou e, ante a inércia do Estado, a família da criança procurou a Promotoria de Justiça, que ajuizou a medida judicial em 12 de agosto do mesmo ano. "Proferi decisão na mesma data, determinei a intimação do Estado para que informasse em cinco dias qual hospital receberia o infante em internação, sob pena de multa diária de R$ 30 mil", descreve o magistrado.
Como nada foi feito, mesmo diante da intimação da Secretaria de Estado de Saúde (SES), o MPE solicitou o bloqueio de verbas publicitárias (ou tributárias, se aquelas fossem insuficientes) para custear a cirurgia do paciente em hospital particular. Conforme documentos apresentados pela família, se a cirurgia não fosse feita com urgência a criança ficaria com sequelas. Antes de deliberar sobre o novo pedido, o magistrado alegou ter tentado as vias legais para garantir atendimento ao paciente. Determinou a imediata condução da criança e internação compulsória em um hospital de Cuiabá, com uso de uma ambulância da Prefeitura de Juína. O menino chegou a ser encaminhado para a Capital, mas não conseguiu internação e foi colocado na Casa de Apoio Recanto da Paz. "Este magistrado então, diante do desespero desta família, telefonou para o pai da criança que informou que já estava há 10 dias em Cuiabá sem saber o que fazer, aguardando notícias da Secretaria da Saúde (…). Telefonei então ao oficial de justiça que estava com o mandado da precatória em Cuiabá, que informou que já havia intimado a "Central de Regulação", mas lhe expliquei a questão, ou seja, que nada havia sido feito e ele, mesmo estando em greve, me informou que então iria buscar a criança onde ela se encontrava e iria tentar interná-la nos termos do mandado", relata.
Mesmo diante do esforço, o magistrado recebeu certidão do oficial, relatando que após peregrinação em três hospitais, a criança não conseguiu vaga. Assim, o magistrado indeferiu o pedido de bloqueio pleiteado pelo MPE. O juiz destaca que não cabe ao magistrado bloquear contas do Estado para realizar qualquer serviço ou comprar qualquer produto que este não esteja fornecendo. Isto porque a relação entre o Poder Judiciário e o Estado, quando este tem de cumprir decisões daquele quando lhe são determinados pagamentos, segue o mecanismo do precatório, disposto no art. 100 da Constituição Federal.
Fora esta situação, a decisão judicial que bloqueia ou penhora bens do Estado interfere na independência dos poderes (prevista no art. 2º da Constituição Federal) de forma gravíssima e perigosa. "A ponto de, em pouco tempo, em nome dos direitos fundamentais, estarmos bloqueando contas do Estado para construir escolas, presídios, centros sócioeducativos, ou outras obras tão importantes para a garantia dos direitos fundamentais do homem", argumenta. O magistrado lembra ainda que a gravidade da saúde pública em Mato Grosso pode ser medida pela quantidade de pedidos judiciais para internação de pacientes feitos já há mais de ano.
O juiz acredita que a falha no sistema é relacionada à escolha das prioridades dos políticos eleitos pelo povo como representantes. "Como juiz, órgão do Estado, fiz o que pude, determinando ao próprio Estado que internasse a criança. Se este se nega a internar, justificando falta de leitos, a situação é de calamidade pública, equivalente à situação de guerra". Assim, o magistrado determinou que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) seja oficiado para, se entender necessário, tomar as medidas que lhe são ofertadas pelo art. 15, § 1º, da Lei Complementar 97/99, no sentido de solicitar à Presidência da República o auxílio das Forças Armadas para atendimento desta situação emergencial.
A decisão traz ainda o pedido de notificação de todos os deputados estaduais, federais e senadores de Mato Grosso, com cópia da decisão, para ciência e providências que se entenderem cabíveis, bem como o MPE e a Procuradoria-Geral do Estado.