Ao contrário do que afirmaram por meio do seu advogado, José Carlos Dias, os pilotos do Legacy que colidiu com o Boeing da Gol, no dia 29, conseguiram se comunicar com os controladores de vôo do Cindacta-1 (Brasília) quatro minutos antes do ponto em que deveriam mudar de altitude. No diálogo, o comandante do Legacy, Joe Lepore, pergunta à torre, em inglês:
– Confirme se posso descer ou se mantenho a altitude.
Como restavam 30 milhas (55 quilômetros) até o ponto em que o Legacy deveria, obrigatoriamente, baixar de 37 mil para 36 mil pés, a resposta do controlador de vôo foi:
– Ok. Mantenha.
O maior acidente aéreo da história do País, que deixou 154 mortos, só ocorreu porque o Legacy voava na contramão de sua aerovia. Pelo plano de vôo, ele deveria seguir de São José dos Campos a Brasília a 37 mil pés. A partir daí, teria de descer a 36 mil pés, mudando de aerovia. Já em Teres, ponto virtual de orientação a 300 km do local da colisão, o Legacy deveria ter subido para 38 mil pés.
Peritos da Aeronáutica já admitem a hipótese de ter havido mal-entendido na comunicação com o americano, mas não consideram esse o fator crucial para explicar a colisão. ‘Ele (Lepore) pode até ter entendido isso como uma autorização para voar a 37 mil pés em todo o trajeto, mas não é o que constava no plano de vôo’, disse um oficial da Força Aérea Brasileira (FAB). ‘Podemos dizer que 98% da culpa é do jato e 2%, do controle de tráfego aéreo.’
O mesmo oficial esclareceu que, numa situação normal, a mudança de mil pés (300 metros) do nível de altitude é feita em 30 segundos. ‘Naquele instante, não havia motivo para o controlador falar em mudança de altitude, pois é padrão que ela ocorra apenas sobre Brasília’, disse o militar.
Uma cópia do diálogo foi encaminhada pela Aeronáutica ao delegado Renato Sayão, da Polícia Federal. Os oito controladores que trabalhavam no dia do acidente – afastados desde então – devem ser os primeiros a prestar depoimento. Quatro deles tiveram participação direta no monitoramento do jato, como o servidor que manteve o contato com o Legacy e seu supervisor.
A PF já apurou que os pilotos do jato não fizeram o briefing antes da decolagem em São José. Embora não seja obrigatório, o procedimento ajuda o piloto a conhecer a rota e informa as condições meteorológicas. Procurado, o advogado Dias não respondeu aos pedidos de entrevista.
Em Mato Grosso, militares continuam em busca dos últimos dois corpos desaparecidos – que também são os únicos ainda não identificados. Ontem, o Instituto Médico-Legal do Distrito Federal identificou mais 3 vítimas, elevando o total para 152.
‘HISTERIA’
O blog do jornalista americano Joe Sharkey, passageiro do Legacy, voltou ao ar ontem. Sharkey disse que suspendeu o acesso ao blog por dois dias para não ‘alimentar a histeria política no Brasil’ sobre o acidente. Disse ainda que, ‘finalmente, perguntas duras estão sendo feitas no Brasil sobre controle de tráfego, colocadas por mim desde o primeiro dia’.