Em nenhum momento as torres do Cindacta (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo) em Brasília detectaram a possibilidade de colisão com o Boeing da Gol porque o jato executivo Legacy, fabricado pela Embraer, desapareceu dos radares aeronáuticos. Há diferentes possibilidades para isso. Uma é mudança de rota. Outra, pane no sistema elétrico da aeronave. Uma terceira, a falha de um dos radares.
Conforme a Folha apurou, os controladores de vôo em Brasília perceberam o avião e tentaram contato várias vezes com seus pilotos, sem sucesso. A falta de resposta reforça a suspeita de que houve algum problema com o sistema do avião, que é novo e de última geração. Fabricado pela Embraer, brasileira, foi comprado pela Excel Air, americana, e estava voando para os EUA.
A previsão é que a investigação do acidente que levou à queda do Boeing 737-800 da Gol, com 155 pessoas a bordo, será “longa e complexa”. Dúvidas principais: por que o Legacy desapareceu dos radares? Como os aviões estavam na mesma altitude? Por que seus sistemas anticolisão em pleno ar não funcionaram, impedindo o choque?
Oficialmente, a Infraero e a Anac não assumem a colisão –embora dêem todas as informações disponíveis para embasar esse cenário. “Ninguém viu a colisão, mas um aparelho colide com algo, tem um pouso forçado, e os dois aviões sumiram dos radares na mesma região e na mesma hora. O que você conclui disso?”, diz o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira.
O incidente, segundo ele, ocorreu a 37 mil pés (11,2 km). Teoricamente, o jato Legacy deveria estar nesta rota com destino aos EUA, e o da Gol, 300 metros abaixo –a 36 mil pés. As rotas funcionam como autopistas virtuais no céu, com “faixas” de ida e vinda com alturas diferentes. Como sempre ocorre nessas circunstâncias, há boatos, especulações e hipóteses plausíveis que se misturam. O acidente é uma raridade: o site de segurança aérea AirSafe, apenas 15 incidentes do tipo ocorreram com aviões feitos no Ocidente desde 1960.
O centro da investigação é o funcionamento do transponder, o equipamento do avião que emite sinais “informando” outras aeronaves e o controle aéreo sobre seus dados.
O transponder emite os sinais do equipamento chamado TCAS (sigla inglesa para sistema anticolisão de tráfego). Esse equipamento, quando funcional, avisa o piloto do avião de que ele está em rota de choque com outro aparelho e o orienta a tomar uma medida evasiva (um sinal luminoso com um sonoro indica, por exemplo, “descer” ou “subir”).
O problema é que o TCAS só funciona se o avião do outro lado também o tiver operacional. Ambos os aviões possuíam o equipamento. A Folha apurou que havia nuvens carregadas na região –teoricamente, o TCAS pode ser “enganado” por nuvens carregadas, que podem esconder um outro aparelho.
“Dois aviões, vindo frente a frente, a 800 km/h cada um são 1.600 km/h [de velocidade de aproximação]. É absolutamente impossível visualização de qualquer coisa. Um equipamento dá um aviso luminoso, sonoro e uma voz ordena o que fazer, para o piloto não precisar pensar. Estamos falando de cinco, dez segundos [antes da eventual colisão]”, disse Pereira, ex-piloto da Presidência.
Ambos os aviões são novos e certificados no FAA (Federal Aviation Agency), americano, e no CTA (Centro Tecnológico da Aeronáutica), brasileiro. Por isso, a hipótese de falha técnica é considerada improvável.
“É difícil falar de falha material. Claro, tudo é possível, mas a probabilidade de uma falha material é muito menor, lógico”, afirmou o brigadeiro.
Como alternativa, haveria falha humana: um piloto, por esquecimento ou por opção, não teria acionado o transponder. Até ontem, isso era considerado incompreensível no núcleo de investigações, que reúne FAB, Infraero e Anac.
Não é possível descartar também alguma alteração abrupta na atmosfera que tivesse feito um dos aviões sair de sua altitude e, por uma fatalidade estatisticamente improvável, bater no que vinha em sentido contrário.
Pelo tipo de cratera deixada pelo Boeing nas selvas de Mato Grosso, imaginou-se ontem que ele teria caído “de bico”, hipótese não aceita pela Aeronáutica. Motivo: o avião teria ainda três toneladas de combustível, o suficiente para pousar em Brasília e prosseguir em seguida para o Rio. Com isso, o avião teria explodido imediatamente caso se chocasse “de bico” com o solo.