Pilotos de aeronaves estão trabalhando sob tensão em Mato Grosso, há pelo menos 5 anos, e denunciam que o roubo de monomotores e bimotores é um tipo de crime que corre sem a devida apuração tanto no Brasil quanto na Bolívia, para onde veículos são levados e, quase sempre, nunca mais vistos. Por traz destes crimes, está o narcotráfico internacional, que utiliza os aviões para transporte de drogas, especialmente cocaína, entre Brasil e Bolívia e outros países da América Latina.
Foram registrados pelo menos 10 casos emblemáticos e muito parecidos na última década. Caso mais recente, registrado dia 7 de junho deste ano, traumatizou um paraíso ambiental no meio do pantanal mato-grossense. Monomotor Cessna do Sesc, quando foi roubado, estava estacionado no aeródromo da Baía das Pedras, no complexo Sesc Porto Cercado, dentro da maior Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Brasil. Um lugar turístico, a 104 Km ao Sul de Cuiabá, sossegado o suficiente para que um bandido agissem sem alarde.
O assaltante apontou uma arma para o piloto Rogério Lana Gomes, 61, que tinha acabado de pousar na pista lateral. Dois dias depois, 9 de junho, radar da Força Aérea Brasileira (FAB) detectou o avião pela última vez voando na fronteira com a Bolívia. Depois de 3 dias, o piloto Lana foi encontrado. Havia sido solto em uma área de mata amazônica, em Rondônia, andou muitos quilômetros, pegou balsa, até que conseguiu dar notícias à família, em Poconé, onde mora. As histórias são quase sempre assim.
Um piloto de voos comerciais, que atua no Estado nesta área desde 1991, afirma que tem medo. Segundo ele, o governo boliviano faz vistas grossas para o problema e até se utiliza de algumas das aeronaves para fazer serviços aeromédicos no país vizinho. “Apoderam-se delas”, critica. É possível perceber que a classe está revoltada com esta situação. “Para se ter ideia do absurdo, em um dos casos o dono da aeronave roubada pagou para um investigador rastreá-la mas, chegando lá, foi falar com um coronel, que era dono de uma escola de aviação. Então, é muita corrupção nesse meio”.
O que os pilotos sabem, com certeza, é que a região de Beni, na fronteira com Rondônia, é foco de aeronaves roubadas em Mato Grosso. “É para lá que são levadas”, afirma o piloto. “Usam 2 ou 3 vezes e tocam fogo nelas, porque o valor das cargas já supera o que ganhariam em vendê-la, que renderia valor insignificante em relação ao lucro do tráfico” – compara.
Monomotores são os alvos preferenciais dos narcotraficantes porque carregam grande quantidade de carga, são de fácil pouco e por isso usados no mundo todo de forma versátil e irregular também. Já se sabe também que depois de roubadas as aeronaves são adulteradas. “Mudam a cor da lataria, pintando até a matrícula, que é uma espécie de placa, são plaquetas de alumínio, mas não têm qualquer preocupação em fazer um trabalho mais elaborado”, comenta o piloto.
Caso Riva
Outra aeronave roubada em outubro de 2014 e que nunca mais foi achada é a do ex-deputado estadual José Riva (sem partido), avaliada em R$ 1 milhão. Até hoje, não há qualquer informação sobre o monomotor, que o então candidato político usava para campanhas de cidade em cidade no interior do Estado. Neste caso, a mesma coisa aconteceu com os pilotos Evandro Rodrigues de Abreu e Rodrigo Agnelli. Foram sequestrados e levados junto com a aeronave, da pista do aeroporto municipal de Pontes e Lacerda (448 Km a Oeste de Cuiabá), em plena luz do dia, por volta das 12h50. Ficaram na condição de reféns por 40 dias. Um trauma que nem eles nem familiares deles esquecem. Mas depois liberados.
Delegado Diogo Santana, da Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO), explica que cabe à Polícia Judiciária Civil abrir inquérito e apurar o envolvimento dos pilotos com tais roubos. “Dos últimos 3 casos, que acompanhei, não constatamos ligação entre eles e os criminosos”, afirma o delegado. “Mas, se narcotraficantes estão vindo praticar o crime aqui, podemos ter certeza, de que estão tendo informações privilegiadas daqui”, diz o delegado.
Segundo ele, os crimes de maior ocorrência, que são muitos na rotina, como homicídios, roubos e furtos locais, acabam consumindo maior esforço da polícia civil do que roubos de aeronaves que são pontuais, considerados raros. A Polícia Federal é a responsável pelo rastreamento das aeronaves do Brasil à Bolívia. Delegado Sérgio Mori, que atua no setor de combate ao crime organizado, explica que a relação entre a PF e a polícia boliviana é institucional. “Pedimos informações via documento e eles nunca se negaram a passar, por isso não posso dizer que fazem corpo mole ou que são corruptos. Para eu dizer isso teria de dar um exemplo em que se negaram a nos atender, porque trabalhamos em parceria”, argumenta Mori.
Sobre a dificuldade de apurar estes casos, ressalta que nenhuma polícia tem autonomia para atuar em território estrangeiro e que, por isso, dependem sim da força da parceria que se cria para obter resultados. Diz ainda que outra dificuldade são os locais ermos para onde o narcotráfico leva as aeronaves, a exemplo dos rincões no Brasil. “São várias áreas rurais, bem escondidas, como tem aqui também”, compara.
“As empresas ou pessoas que tiveram aviões roubados devem ter essas informações melhor do que nós, sobre corrupção e pouco caso das autoridade bolivianas, porque contratam gente para ir averiguar na Bolívia, e têm contrato com policiais e autoridades de lá, mas nos mantemos o diálogo no campo institucional”, reforça.
A PF, que tem pelo menos 4 investigações em curso sobre este tipo de crime, mantém representação em La Paz e Santa Cruz de la Sierra. Mas reconhece que os resultados são bem frustrantes.
Um avião Cessna, avaliado em R$ 1 milhão, foi furtado em outubro do ano passado, no aeroporto de Primavera do Leste (231 Km ao Sul de Cuiabá) e o funcionário, que tinha sido contratado para fazer a manutenção da nave, um piloto amigo dele e uma terceira pessoa, sumiram, junto com ela. A suspeita é a de que a aeronave tenha sido abatida na Venezuela.
O dono do hangar contou à polícia que, no dia do furto, o funcionário chegou ao local, mostrando a chave do veículo, com um piloto e mais uma pessoa, alegando que levariam a aeronave para a fazenda do proprietário. Mas fugiram. Também foi vítima de roubo de aeronave o prefeito de Juara, Édson Piovesan (PSD). O avião dele estava avaliado em R$ 1,5 milhão. O piloto Paulo César Asoia Bertocini, 30 anos, foi sequestrado e liberado, 17 dias depois, na Bolívia. Quanto ao avião, nunca mais foi visto.