Fundos de previdência de servidores públicos devem zelar pela segurança do investimento dos funcionários, considerando também as melhores condições de rentabilidade. Mas quando essas entidades são loteadas por indicados políticos em administrações municipais e estaduais, nem sempre o servidor fica em primeiro lugar, como mostra o passado recente de captação de recursos da Marsans Brasil. Apesar das graves dificuldades financeiras que a empresa enfrenta, pelo menos sete fundos de previdência de funcionários públicos injetaram dinheiro de aposentados na agência de viagens. A operadora de turismo foi fundada em 1973 no país e é controlada pelo doleiro Alberto Youssef desde meados de 2010. Desde março, Youssef passou a ser conhecido também como um dos pivôs do esquema de lavagem de 10 bilhões de reais, investigado pela Polícia Federal na operação Lava-Jato.
Documentos obtidos pelo site de VEJA revelam agora que entre 2012 e 2013 – ou seja, sob o controle de Youssef – a Marsans Brasil conseguiu angariar cerca de 23 milhões de reais de fundos de previdência dedicados a garantir pensões de servidores aposentados. Só o Instituto de Gestão Previdenciária do estado do Tocantins aplicou 12 milhões de reais na empreitada. Também tornaram-se investidores na empresa do doleiro os fundos municipais de previdência de Cuiabá (MT), que desembolsou 3,4 milhões de reais; e Paranaguá (PR), que gastou 2 milhões de reais. No Nordeste, o fundo de Amontada (CE) gastou cerca de 1,6 milhão de reais e o de Petrolina (PE) desembolsou 980.000 reais. Hortolândia e Holambra, duas cidades do interior paulista, aplicaram respectivamente 1,5 milhão de reais e 980.000 reais para virar sócias de Youssef.
O aporte dos fundos de previdência foi feito através do Fundo de Investimento em Participações (FIP) Viaja Brasil. É um produto criado pelo banco Máxima com o propósito de impulsionar o crescimento do grupo Marsans Brasil. Todo o dinheiro que entrou no Viaja Brasil foi aplicado na Graça Aranha RJ Participações — dona da Marsans Brasil, de acordo com relatório da consultoria Lopes Filho. Documentos da Junta Comercial do Rio de Janeiro, no entanto, revelam outro dono na Marsans. Segundo certidão do órgão, a GFD Investimentos, uma empresa do doleiro, é a única controladora da Marsans.
A situação financeira da agência também causa estranheza. Apesar da milionária injeção de recursos feita pelos fundos desde 2012, a Marsans enfrenta dificuldades. Em relação ao fim do ano passado, as compras de passagens aéreas pela companhia caíram drasticamente neste primeiro semestre, o que sinaliza que menos clientes contrataram viagens e o faturamento diminuiu.
Finanças – Em e-mails interceptados pela Polícia Federal, Youssef prometia injetar dinheiro para socorrer a Marsans. Em 30 de dezembro de 2013, o doleiro é cobrado pelo diretor-geral da agência, Luiz David de Almeida Lourenço, que pedia transferências para a empresa. "Beto, desculpe mas vamos ter problemas (mais). A TED não entrou em nossa conta até agora. Tem como vc falar com quem iria fazer e me voltar?", cobra Luiz David, como é conhecido.
O advogado Antonio Figueiredo Basto, que defende Youssef na Justiça, afirma que a Marsans é “um negócio lícito” do doleiro. "Se fundos de previdência resolveram investir na Marsans, quem tem de responder são eles. Muitas das coisas que Alberto tentava fazer eram legais. Eu particularmente desconheço que tenha ocorrido irregularidade em relação a fundo de pensão", afirmou Figueiredo Basto ao site de VEJA.
Procurado pelo site de VEJA, Luiz David não esclareceu o destino dos recursos tratados com Youssef. Ele alega que foi diretor-administrativo da Marsans Brasil de janeiro de 2013 a 11 de abril deste ano, quando renunciou. Mas funcionários diziam, na última quarta-feira, que David ainda era o CEO (diretor-executivo) da companhia. Indagado sobre a contradição, ele disse que aceitou permanecer como consultor da Marsans até ser contratado novo diretor para a empresa.
Nenhum fundo de previdência esclarece por que foram feitos os investimentos no fundo de Youssef. A assessoria de imprensa do atual presidente do Instituto de Gestão Previdenciária do estado do Tocantins diz que os aportes foram feitos em gestão anterior, de Luciano Silbernagel. Procurado, Silbernagel alega que desconhecia a aplicação no Viaja Brasil e responsabiliza o gestor Edson Santana Matos pelos investimentos. Matos não foi localizado. O governador Siqueira Campos (PSDB) e o vice-governador João Oliveira (DEM) renunciaram aos cargos em abril para concorrer nas eleições de outubro. O fundo de pensão dos servidores do governo de Tocantins também foi um dos que mais perdeu dinheiro com a aplicação de recursos em títulos lastreados em empréstimos do banco BVA — que teve recursos desviados pelos administradores e deixou um rombo de 4 bilhões de reais.
O presidente do Instituto Municipal de Previdência Social dos Servidores de Cuiabá, Bolanger José de Almeida, também responsabilizou a gestão anterior pelo investimento no fundo controlado por Youssef. Mas documentos do Ministério da Previdência só mostram aplicação no fundo Viaja Brasil a partir do segundo bimestre de 2013 — portanto, sob a gestão de Almeida. Ele assumiu o cargo no começo da gestão do prefeito Mauro Mendes (PSB). Almeida diz que estuda medidas judiciais para preservar os investimentos na Marsans. "Eu estou preocupado com a situação, porque a empresa está com dificuldades financeiras e não dá para entender, pois vivenciamos um momento extremamente aquecido do turismo brasileiro. Queremos contratar uma auditoria e saber se houve desvio de recursos", afirma o presidente do fundo de previdência dos servidores de Cuiabá.
Almeida é um dos dirigentes de fundos de pensão que participaram de assembleias do fundo Viaja Brasil nos últimos meses. Carlos Alberto Pereira da Costa e Matheus Oliveira dos Santos – comparsas do doleiro que respondem na Justiça por crimes investigados pela operação Lava-Jato – eram representantes de Youssef no Conselho de Administração da Graça Aranha RJ Participações. De acordo com a Polícia Federal, Pereira da Costa comandava diversas empresas do doleiro.
Investigações – Youssef ganhou notoriedade nacional no começo dos anos 2000 por ter remetido bilhões de dólares para fora do país por contas do banco Banestado. Acabou condenado por evasão de divisas, mas fez um acordo de delação premiada com a Justiça Federal, pelo qual entregou informações importantes para a investigação e conseguiu punição mais branda do que era esperado. A única exigência era que ele não voltasse a cometer crimes. Mas, durante as investigações da operação Lava-Jato, a PF encontrou indícios de que Youssef voltou a comandar um esquema de lavagem de dinheiro. Ele começará a ser julgado em junho pelos crimes de lavagem de dinheiro, participação em organização criminosa, evasão de divisas e operação indevida de instituição financeira.
Além de inúmeras operações ilegais de entrada e saída de dólares do país, desde pelo menos 2010 ele ajudava na coleta de recursos para campanhas de políticos. Nos últimos meses, esbanjava intimidade com o poder. Tinha contatos frequentes com os deputados federais André Vargas (ex-PT) e Luiz Argôlo (SDD). Articulava negócios com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, com quem é acusado pelo Ministério Público de ter desviado mais de 8 milhões de reais de obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. E é acusado ainda de comandar um laboratório farmacêutico que conseguiria faturar até 35 milhões de reais, em cinco anos, na venda de medicamentos com uma parceria chancelada pelo Ministério da Saúde.