O paciente encaminhado vivo para o necrotério do Pronto Socorro de Cuiabá, Vitorino Ventura, 58 anos, morreu, ontem, por volta das 12h. Na noite de sexta-feira (17), ele foi dado como morto pela equipe médica que estava de plantão na Sala Vermelha, onde permanecia internado desde o dia 15 por apresentar falta de ar. A família chegou a ser avisada do óbito, porém, o paciente foi encontrado respirando dentro do necrotério. A cena foi gravada e entregue aos filhos de Vitorino.
A morte do paciente será investigada em três procedimentos diferenciados, instaurados pela Polícia Civil, diretoria do Pronto Socorro e Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT). O corpo foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) para realização de necropsia por volta das 15h e determinação da causa morte e a expedição do laudo que resultará no Atestado de Óbito. A liberação foi feita pela Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), porém, a investigação policial ocorrerá na 2ª Delegacia de Polícia.
Composta por dois médicos, três enfermeiros e seis técnicos de enfermagem, a equipe plantonista do PS foi afastada preventivamente por 15 dias, prazo para realização da sindicância interna do hospital. A assessoria da Prefeitura de Cuiabá destaca que a medida foi adotada para preservar os profissionais.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) emitiu nota afirmando que “lamenta o fato ocorrido nas dependências”. Afirmou ainda que determinou a apuração interna dos fatos que levaram a equipe médica a atestar a “morte equivocadamente”, descreve documento. A advogada Rafaela Galeski, representante da família Ventura, afirma que vai entrar com ação contra a unidade de saúde, uma vez que os filhos da vítima entendem a existência de negligência no atendimento ao pai. Além disso, a situação provocou sofrimento descabido aos familiares.
Vitorino era considerado paciente terminal de câncer e havia passado por procedimento cirúrgico de retirada de parte da traqueia. Não falava e respirava por meio de traqueostomia. Ele passou mal na quarta-feira e foi levado para o Pronto Socorro. Entre a data da internação e a noite de sexta-feira, o paciente havia tido duas paradas cardíacas e foi reanimado. Ao sofrer a terceira parada cardíaca, a equipe médica optou pela não reanimação diante da gravidade do caso, conforme descrito no prontuário do paciente às 23h. Uma hora depois, nova marcação foi feita no prontuário destacando o retorno do paciente do necrotério com “pulso amplo”.
Entre as anotações está o questionamento “Sd. Lázaro?”, uma possível referência ao raro Fenômeno de Lázaro, ou Síndrome de Lázaro. A família foi avisada sobre a morte de Vitorino, mas ao chegar na unidade, cerca de uma hora depois do comunicado, o filho dele, Joilson Ventura, encontrou o pai ocupando um leito na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do hospital. Conforme a advogada, uma pessoa que não se identificou entregou ao rapaz um vídeo gravado por meio de um aparelho celular onde o paciente aparece “enrolado” em um lençol dentro do necrotério respirando.
A família procurou explicações durante todo fim de semana, mas não teve o caso esclarecido pelos médicos ou direção. “Agora estão falando em Síndrome de Lázaro. Mas vamos levar o prontuário para análise de um médico de confiança da família com intuito de verificar se os procedimentos adotados estão corretos”. Não está descartada a possibilidade da família entrar com uma ação contra a médica que assinou o prontuário. A possibilidade de uma Síndrome de Lázaro também foi levantada pelo CRM-MT e Sindicato dos Médicos do Estado de Mato Grosso (Sindimed-MT). As entidades também foram unânimes em apontar a superlotação do Pronto-Socorro como uma situação que expõe profissionais da saúde e pacientes.
Segundo a vice-presidente do CRM, Maria de Fátima Carvalho Ferreira, a Síndrome ou Fenômeno de Lázaro ocorre raramente em pacientes que têm a paralisação de todos os sinais vitais e a morte atestada, mas de forma inexplicável retorna à vida. Porém, destaca que somente ao final da sindicância instaurada o CRM poderá chegar a uma conclusão sobre o que ocorreu de fato. O procedimento já foi instaurado, mas não tem prazo para terminar. “Uma investigação dessa natureza leva muito tempo”.
Maria de Fátima frisa que todos os envolvidos no caso serão ouvidos por um conselheiro nomeado, que fará um relatório a ser encaminhado para uma equipe julgadora. A análise feita por esta equipe definirá se será aberto um procedimento em desfavor aos envolvidos ou não.
Presidente do Sindimed, Eliane Siqueira destaca que é cedo para julgar os médicos que prestaram atendimento ao paciente. Relata que, aparentemente, foram tomadas todas as providências cabíveis e recomendadas para casos como o de Vitorino. Frisa ainda que em casos de pacientes terminais, sem chance de cura, protocolos médicos preveem a não reanimação para evitar o prolongamento do sofrimento do paciente e dos familiares. ETERNO CAOS – Siqueira afirma que na tarde de ontem a Sala Vermelha contava com 27 pacientes, sendo que tem capacidade para oito internações. Apesar da superlotação tão criticada e apontada como “tragédia anunciada” pela categoria médica, o Sindimed acredita que não tenha ocorrido descaso ou erro com o paciente, que ainda passou por uma equipe de técnicos de enfermagem, que prepararam o corpo de Vitorino para encaminhar ao IML. Foi colocado algodão no nariz do paciente e a abertura da traqueostomia foi tampada com gaze. Na última semana, o CRM apresentou o resultado de mais uma vistoria feita dentro do PS, entre os dias 17 de junho e 7 de julho. O relatório, como todos os outros apresentados nos últimos anos, demonstra a superlotação, falta de insumos, problemas estruturais, e número de funcionários insuficientes.
O documento cita que na Sala Vermelha, na data da vistoria, 20 pessoas aguardavam o andamento do atendimento ou transferência para uma UTI.O promotor de justiça Sérgio Silva da Costa comparou a unidade de saúde a “um campo de guerra, sem estrutura e sem pessoal suficiente para um atendimento de qualidade aos pacientes”.