O policial militar Leandro Almeida de Souza, 23 anos, réu por dois homicídios culposos, foi ouvido, ontem, na audiência de instrução e julgamento na ação que tramita na Vara da Justiça Militar relativa as duas mortes ocorridas durante um assalto frustrado em 24 de fevereiro de 2014 em uma empresa câmbio, localizada na avenida Getúlio Vargas, em Cuiabá. Ele confirmou que foi o autor dos disparos que acertaram o assaltante e que também atingiram e mataram seu colega de serviço, o policial militar Danilo César Fernandes Rodrigues, 27 anos, e Karina Fernandes Gomes, 19 anos, funcionária da empresa invadida pelo suspeito Edilson Pedroso da Silva, 29 anos.
Na audiência, também foram ouvidas duas testemunhas: o gerente da casa de câmbio, Weverson Batista de Rezende e o assaltante condenado Edilson que chegou algemado e escoltado por policiais militares. Em seu depoimento, o policial Leandro Almeida disse que só teve uma semana de treinamento de tiros antes de ir para as ruas de Cuiabá com uma pistola ponto 40 para fazer o policiamento comunitário. Ele relatou ter conhecimento que o curso dura em média seis meses, sendo apenas uma semana de treinamento de tiros. Afirmou ainda que após ingressar na Polícia Militar, nunca mais foi submetido a qualquer treinamento de tiros. Explicou que não é oferecida estrutura para os policiais que estão nas ruas e por isso são orientados a utilizarem as lojas da região para tomar água e utilizar os sanitários.
Leandro prestou o concurso em 2009 e ingressou nas fileiras da corporação em 2011. Nos três anos depois de formado, o policial disse que nunca foi chamado para fazer curso de tiro na PM e nunca ouviu falar de curso de reciclagem ou curso de aperfeiçoamento. Questionado pelo promotor de Justiça Marcos Fernandes Regenold, Leandro disse que ouviu dizer que os policiais compram as munições e fazem treinamentos de tiros por conta própria. Para o advogado dele, Carlos Odorico Dorilêo Rosa Júnior, Leandro agiu em legítima defesa após o bandido sacar a arma na cintura para anunciar o assalto, mas ele diz que não há dúvidas que houve despreparo.
“Realmente há a questão do despreparo. O Estado não fornece meios, tanto é que a gente vê a briga das associações. O Leandro está sendo representado pela Associação de Cabos e Soldados e eu como advogado da associação. A gente vê que realmente as associações brigam por uma preparação melhor, uma qualificação porque o policial militar somente ali no curso de formação conforme ele disse, apenas seis meses que ele tem o curso de tiro e posteriormente o Estado não fornece esses meios”.
O jurista citou como exemplo que há uma previsão legal de auxílio fardamento, mas seu cliente afirmou em juízo que nunca recebeu agasalho. "O Leandro hoje se encontra precisando de ajuda psicológica, está sendo acompanhado, está readaptado, está no setor administrativo porque não está sendo fácil para ele pois quando se ingressa na Polícia Militar você jura salvar vida do próximo mesmo com o risco da sua própria vida e não tirar outra vida. Para ele está sendo difícil porque ele sabe que infelizmente duas vidas inocentes foram ceifadas, mas a gente viu aqui também hoje que o responsável por toda essa situação encontra-se preso na cadeia e já foi condenado e que o Leandro é vítima desse Estado falido. Desse Estado aonde a gente vê a cada dia a segurança pública falida”, disse o advogado.
Ele citou como exemplo um caso de latrocínio registrado há poucos dias no bairro Parque Cuiabá. “A segurança pública precisa ser melhorada e adequada assim com a capacitação do policiai militar, no caso o Leandro, com mais trabalhos técnicos profissionais e a valorização profissional”, pontuou o advogado.
Consta nos autos, que a perícia recolheu 16 projéteis na cena do crime e nos corpos da vítima. De acordo com a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) e os depoimentos do ladrão, não houve troca de tiros, pois somente o PM Leandro atirou. A denúncia do MPE diz que o PM, culposamente, provocou a morte das duas vítimas por inobservância de regras técnicas do manual de Procedimento Operacional Padrão da Polícia Militar.
O juiz auditor da Justiça Militar, Marcos Falleiros da Silva, começou lendo a denúncia onde constam os fatos do dia do crime. Foi constatado que nenhum dos 16 projéteis coletados no local e nas vítimas vieram da arma do assaltante, mas sim da pistola usada pelo policial. A denúncia afirma que imprudência e desperícia do policial fez com que dois dos vários disparos efetuados atingissem alvos não visados. A próxima audiência para inquirição das testemunhas foi marcada para o dia 7 de agosto às 14h30.
Réu – após responder aos questionamentos do promotor, do seu advogado e ainda do juiz Marcos Falleiros e dos demais juízes militares que participaram da audiência, Leandro disse que não teve a intenção de matar o colega de farda e nem a funcionária da empresa. Seu objetivo foi unicamente impedir o assaltante de concretizar o roubo ou mesmo atirar contra alguém. "Foi muito difícil passar pelo que passei e peço a compreensão de todos pra entender que o que aconteceu foi uma fatalidade", disse Leandro. Ele acredita que “sempre vai ter alguém julgando e jogando pedra”.
Contradições – no depoimento, o assaltante Edilson disse que não deu tempo de sacar a arma da cintura e apontar contra o policial, pois em questão de segundos Leandro já atirou contra ele no peito e depois que ele fugiu ainda foi alvejado nas costas e ouviu vários outros tiros. No entanto, o gerente da empresa, sustenta que as imagens mostram que o assaltante chegou apontar a arma contra o policial antes de ser baleado. O PM também reafirmou que reagiu após o bandido apontar a arma. Porém, dessa vez ele disse não ter certeza que o criminoso atirou antes, contradizendo o que ele já tinha dito em outra audiência quando Edilson foi condenado pelo crime de roubo.