segunda-feira, 16/setembro/2024
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Cuiabá: justiça faz hoje 2º julgamento do assassinato de religioso jesuíta defensor dos índios

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Está previsto para hoje, em Cuiabá, o segundo julgamento do assassinato do jesuíta espanhol, Irmão Vicente Cañas, assassinado há 30 anos em Mato Grosso. Ele se dedicou à causa indígena no Brasil durante os anos 60, 70 e 80 e morreu aos 48 anos de idade, no barraco em que vivia, nas proximidades do território indígena dos Enawenê-nawê.

O site IHU – Instituto Humanitas da Unisinos – publicou, hoje, reportagem lembrando que o primeiro júri que julgou os acusados do assassinato de Vicente Cañas ocorreu em 2006 e os réus foram inocentados por 6 votos a 1. O segundo júri, marcado para hoje, é do delegado de polícia aposentado Ronaldo Antônio Osmar, único acusado que ainda está vivo.

O padre jesuíta Aloir Pacini, que é antropólogo e professor na UFMT em Cuiabá, explicou ao IHU que, "conforme as provas e depoimentos, o delegado agenciou os capangas para o serviço sujo, emboscaram o missionário em seu barraco, na margem do rio Juruena. O Irmão Vicente Cañas foi brutalmente assassinado no dia 06 de abril de 1987, quando tinha 46 anos de idade. Seu corpo foi encontrado mumificado pela natureza no dia 16 de maio de 1987. O laudo médico-legal apontou que foi atingido a golpes de porrete na cabeça e uma peixeira foi fincada no abdômen com a finalidade de atingir o coração. As investigações indicam um acordo entre o delegado da Polícia Civil de Juína na época [2] e os fazendeiros da região, que não aceitavam a posição firme do jesuíta defendendo que a demarcação do território tradicional indígena deveria ser na quantidade que os indígenas indicassem. Sua atuação era, inquestionavelmente, na defesa e garantia dos direitos indígenas". " "Foi duro perceber que houve maldade extrema dos que planejaram e organizaram os detalhes deste assassinato. Ou seja, a morte do Irmão Vicente Cañas foi preparada a longo prazo: primeiro criaram falatórios negativos sobre o Irmão Vicente, dizendo que ele não era um jesuíta autêntico, que não vivia a castidade, que não ia na Missa etc, o que poderia justificar sua morte ou ao menos dar a entender que esta morte era necessária numa igreja que se pensava mais autêntica, fundamentalista. Quando vamos nos aproximando da verdade, a vontade é vomitar para ver se podemos superar tamanha atrocidade atingindo um inocente como o Irmão Vicente, que estava sozinho. E o mesmo vemos que foi feito com Jesus de Nazaré, pois todos o abandonaram, ficou sozinho no suplício final".

Ele descreve a trajetória do religioso Jesuíta: "Vicente Cañas Costa nasceu em Alborea (Albacete) em 22 de outubro de 1939, numa família de 10 irmãos, filho de Miguel e Angela. O Irmão Vicente (conhecido pelos indígenas como Kiwxi) foi um jesuíta autêntico. Ingressou na Companhia de Jesus, em Raimat, na Espanha, no dia 21 de abril de 1961 e fez os votos de castidade, pobreza e obediência em 22 de abril de 1963. Depois do Juniorado, renovou os votos e recebeu o crucifixo de missionário em 3 de dezembro de 1965 na Igreja dedicada ao missionário São Francisco Xavier e veio para o Brasil. Aqui começou os trabalhos na Casa de Retiros em Baturité (no Ceará) e ainda hoje os vizinhos recordam como ele socorria as pessoas da redondeza em épocas de penúria por causa das secas periódicas.

Como desejava trabalhar com os indígenas, veio para a Missão de Diamantino, em 1968 e ali atuou primeiro como cozinheiro. Assim foi sendo iniciado na vida de missionário nos trabalhos com os indígenas especialmente pelos Padres Thomaz (Lisbôa) e (Antonio) Iasi. Era a época em que a Igreja do Vaticano II pedia uma forma diferente de estarmos neste mundo, transformar a sociedade estabelecida com visíveis traços de injustiça enraizada na América Latina. Uma das formas gritantes da injustiça era desalojar os indígenas e tomar seus espaços para estabelecer novas colonizações, formar novos municípios. Com isso, os indígenas que não eram mortos passavam a morar nas periferias das cidades ou a trabalhar nas fazendas em busca de migalhas". "O Irmão Vicente iniciou esta inculturação quando auxiliou a socorrer os Ivetin (Tapayuna); depois foi morar com os Pareci, na aldeia Rio Verde ainda próximo de Utiariti. Com a intermediação dos jesuítas se conseguiram as primeiras identificações de terras para os Pareci e Rikbaktsa, em 1968. Neste tempo é que vive o Padre Thomaz um tempo com os Ivetin (1970) que sobreviviam do contato com os seringueiros e os que fundaram a cidade de Porto dos Gaúchos no rio Arinos. Em seguida, os amigos Thomaz e Vicente fizeram os primeiros contatos com os Mÿky (1971) e com os Enawenê-nawê (1974), com quem passaram a conviver, segundo os princípios do Vaticano II e as orientações da Companhia de Jesus e do Conselho Indigenista Missionário – Cimi".

Padre Aloir também registra que, "no final da década de 60 e na primeira metade da década de 1970, no noroeste do Mato Grosso os jesuítas fizeram a grande mudança no trabalho indigenista missionário. O Irmão Vicente Cañas participou intensamente destes momentos e foi tentar auxiliar os Ivetin (Tapayuna ou Beiço-de-Pau) em 1969, com quem começou um trabalho sério e cheio de desafios". "As posturas proféticas dos jesuítas questionavam duramente as frentes de colonização que viam os indígenas como empecilhos para a implantação de seringais, das madeireiras, das fazendas, dos garimpos… E assim muitos que viam suas oportunidades de enriquecer rapidamente prejudicadas, tomavam a peito o projeto de civilização e se tornavam inimigos violentos e sanguinários dos que com os indígenas se identificavam. Isso deve ser dito também para dentro da igreja, pois muitos católicos eram os que queriam enriquecer desta forma. Apareceram assim na vida de Kiwxitambém pessoas dispostas a fazê-lo desaparecer, mas o Irmão Vicente Cañas se tornou um mártir do nosso tempo, por causa da sua identificação com os indígenas e do seu sangue derramado em nome de Cristo! Os sinais de que foi assassinado: barraco todo desarrumado indicando luta corporal, óculos e dentes quebrados, tira do chinelo rasgado, uma perfuração acima do estômago, lesões no crânio etc".

Aloir também expõe que "o Irmão Vicente Cañas era um homem despojado, pronto para o trabalho, não havia tempo nem hora ruim para auxiliar o próximo. Tinha um senso de justiça que é próprio da época e percebia com clareza o modo capitalista de exploração do mundo que vinha se aproximando das populações indígenasque ainda viviam na Amazônia o Bem Viver. Tratava-se de um homem prático, capaz de pensar as coisas no dia a dia e sempre a serviço, algo que é próprio da vocação de muitos Irmãos jesuítas que não quiseram ser padres para poder se dedicar a questões mais práticas na construção do Reino de Deus. Por exemplo, não teve dúvida em arrancar ele mesmo seus próprios dentes, quando a auxiliar em saúde (Rosa), que estava com ele na Missão, não aceitou fazer esta proeza pois ele tinha ainda os dentes bons. Fez isso para não ter que sair durante dias para ir ao dentista na cidade e assim aprender em si mesmo a fazer moldes de dentadura para os indígenas que tinham muitos problemas com a queda dos dentes. Com estas e outras podemos ver que procurou viver de forma inculturada entre os indígenas, como vimos acima, trabalhar para contatar de forma pacífica os que ainda não estavam em relação com a nossa sociedade e trabalhar para demarcar as terras que tradicionalmente estas populações ocupavam". "Por outro lado, sabia compreender as diferenças culturais de uma forma intuitiva, mais que reflexiva. Para estar com os indígenas não havia dificuldade, estava sempre pronto, manifestava grande capacidade de compreender o diferente, possuía um amor que impressionava e era o ideal que sustentava seu modo despojado de vida".

Padre Aloir Pacini conclui: " o Irmão Vicente Cañas se tornou um mártir do nosso tempo, por causa da sua identificação com os indígenas e do seu sangue derramado em nome de Cristo!"

 

 

 

 

 

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