Denúncias envolvendo maus tratos, negligência e abusos contra crianças se tornam cada vez mais rotineiras em unidades policiais ou nas sedes dos Conselhos Tutelares de Cuiabá. Somente a Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança (Deddica) atuou em cerca de 600 procedimentos, entre janeiro e agosto deste ano. São inquéritos ou mesmo Termos Circunstanciados, que tiveram algum encaminhamento judicial.
O delegado Eduardo Botelho explica que ocorrem várias formas de maus-tratos, mas as agressões e os abusos sexuais são as mais frequentes. Um dos casos mais recentes que chocou a sociedade foi a morte por espancamento do menino Hugo Gabriel Augusto Gomes, de 5 anos.
O autor do crime foi o pai biológico, Eleony Luiz de Andrade, 34, que fugiu logo após o crime e foi preso no terminal rodoviário da cidade de Sorriso (420 km ao norte), dois dias depois. Hugo foi hospitalizado no dia 20 de agosto, com hemorragia interna em órgãos do aparelho digestivo. Morreu na manhã seguinte.
Laudo de necropsia apontou que ele foi espancado com uso de objeto contundente, que foi coberto por algum tipo de toalha, para evitar que deixasse marcas externas de agressão. O acusado que foi indiciado por tortura e homicídio, nega o crime.
O lamentável, segundo o delegado, é o fato de que esta morte poderia ter sido evitada. Isto porque, após o crime, tanto na creche em que a criança frequentava, como no ambiente familiar, surge a confirmação de que a vítima apresentava sinais de que vinha sendo agredida com frequência. Por medo do agressor ou medo de se envolver em uma situação com a Justiça, todos se calaram, inclusive familiares. A omissão que resultou em mais uma morte.
Romper o silêncio que acoberta os agressores, principalmente no ambiente familiar tem sido a missão dos conselheiros tutelares. Atualmente são 30 profissionais que se desdobram entre as 6 sedes que cobrem todas as regiões da cidade. A sede central ainda é responsável pelo atendimento nos distritos rurais da Guia e Aguaçu.
Segundo Edézio Assunção Silva, coordenador do 1º Conselho Tutelar de Cuiabá, o Conselho do Centro, houve uma melhora na estruturação, mas ainda é insuficiente para atender a grande demanda de denúncias que chegam diariamente.
Cada uma das seis sedes conta com 5 profissionais, mas existe apenas uma única viatura para o atendimento. Considerando que em alguns casos o Conselho é responsável pela cobertura de até 54 bairros, torna quase impossível atender todos as denúncias.
Elas chegam por meio do Disque 100, por telefones e relatos feitos pessoalmente. Então é preciso fazer uma seleção, considerando as de maior gravidade, atendendo dentro do possível.
Pela falta de uma estrutura de rede, de apoio, com psicólogos e assistentes sociais para dar o atendimento imediato, o conselheiro acaba assumindo o papel de fazer a ponte entre vítimas e estes profissionais, espalhados por diversas secretarias. O tempo dispendido na procura e encaminhamento poderia ser empregado na atuação fim, que é a apuração das dezenas e até centenas de denúncias que chegam semanalmente, por diversos canais.
Outro problema enfrentado é a existência de falsas denúncias, principalmente envolvendo abusos sexuais, pelo sistema disque 100. Ressalta que comprovadamente, neste canal cerca de 80% dos fatos denunciados não procedem. Mas, infelizmente, precisam ser checados, um a um.
Diariamente, dois conslheiros atuam em plantões noturnos, na Capital, e são acionados geralmente em situações que envolvem ocorrências policiais. Destaca que todas as unidades estão abertas para receber denúncias feitas de forma anônima ou não. O importante é não se omitir, já que a vida de uma criança pode depender de uma simples denúncia.